Embora a morte seja a única certeza que as pessoas têm na vida, continua um assunto indigesto para a maioria delas. Não para médica, escritora e ativista dos cuidados paliativos Ana Claudia Quintana Arantes, que tem dedicado a carreira a esse tema com livros como o novo “Cuidar Até o Fim”.
Autora do best-seller “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”, livro abrangente sobre o período final da vida que já vendeu mais de 700 mil cópias, Arantes escreve desta vez uma espécie de manual, com orientações práticas sobre cuidados físicos e emocionais diante da iminência da morte.
“É um livro para qualquer pessoa viva, pois em algum momento todo mundo passa por um processo de adoecimento próprio ou de um ente querido”, diz ela. Até o projeto gráfico, com cores mais escuras e ilustrações de traços mais definidos, remete ao chão que pretende dar ao leitor nessa missão.
O foco do trabalho é o que ela chama de processo ativo da morte, ou seja, quando o paciente tem uma doença grave e as possibilidades de tratamentos disponíveis estão esgotadas. “Precisei passar por 30 anos de carreira para chegar a esse livro, é o fruto da minha experiência”, diz.
Quando novas tentativas de tratamento trazem mais sofrimento do que esperança para o doente, entra a medicina paliativa, voltada não mais para a cura, mas para o conforto e o cuidado a fim de aliviar os sintomas da doença.
Arantes faz uso de metáforas para tornar conceitos abstratos mais acessíveis e ressalta a importância da verdade e a necessidade de quebrar mitos. “As pessoas tinham a ideia de que cuidados paliativos eram restritos às pessoas em estado terminal. Até hoje tentamos explicar esse conceito, saindo do ‘nada mais pode ser feito’ para ‘bem-estar até o último momento de vida’.”
Diante do inevitável, que pode levar dias, semanas, meses ou mesmo anos, a pessoa tem a chance de escolher como pretende levar o resto da vida. Essa consciência pode ser transformadora e dá a chance de fazer escolhas para uma morte mais digna, segundo a autora. “Morte bonita é aquela que faz sentido para cada história de vida”, diz a médica.
Ela própria estabeleceu para si o que considera uma morte em paz, caso não tenha condições de tomar decisões. Como a audição é o último dos sentidos a se esvair, escreveu uma carta em que pede para ter a chance de ouvir a voz de seus filhos antes de sua partida.
A etapa final também é uma oportunidade de compartilhar o luto. “Muita gente diz que gostaria de morrer dormindo, para evitar sofrimento. Mas se acontece, o luto é vivido apenas por quem fica, que muitas vezes não se recupera jamais da dor de perder alguém de um dia para o outro”, diz Arantes.
O manejo cuidadoso dos últimos dias faz do processo, se não menos doloroso, um pouco mais sereno para quem perde um ente querido. A atenção à vontade do paciente não significa, no entanto, um apoio à eutanásia. Segundo ela, o tema ainda é muito distante da realidade brasileira.
“É como se a turma do maternal estivesse discutindo a grade curricular da graduação. Respeito quem faz essa escolha, mas enquanto o cuidado paliativo não estiver disponível a todas as pessoas no Brasil, minha luta será para mostrar que há caminhos mais pacíficos para o fim”, diz.
A paulistana Ana Claudia Quintana Arantes já vendeu mais de 1 milhão de livros falando sobre a morte de maneira direta.
O primeiro foi “Linhas Pares”, publicado em 2012, escrito com base em sua pesquisa sobre o impacto da poesia em pessoas que sofriam de doenças graves. Depois veio o mais conhecido, “A Morte É um Dia que Vale a Pena Viver”, que segue entre os mais vendidos desde sua primeira edição, em 2016.
Em 2020, veio “Histórias Lindas de Morrer”, com relatos sobre o fim —por exemplo, a morte de um homem que tinha uma amante, de quem não teria a chance de se despedir. Esse livro está em negociações para se tornar filme.
Na sequência vieram “Para a Vida Toda Valer a Pena”, sobre envelhecimento, e “Mundo Dentro”, de poemas, lançados em 2021 e 2022. Exceto o primeiro de todos, que saiu pela Scortecci, os demais foram lançados pela editora Sextante.
Arantes é médica geriatra formada pela USP (Universidade de São Paulo) e sua pós-graduação em psicologia foi sobre intervenções em luto. Depois, fez especialização em cuidados paliativos no Instituto Pallium e na Universidade de Oxford no Reino Unido.
É também fundadora da Casa do Cuidar, instituição de ensino dos cuidados paliativos fundada em 2020. A busca pelos cursos tem sido crescente. Desde a inauguração, quase 900 mil pessoas sem formação na área participaram de workshops e quase 16 mil se formaram em cursos longos, de 400 horas.
“Eu lembro quando ministrava curso em sala de aula com sete pessoas, porque não tinha coragem de cancelar a turma”, diz. Hoje as salas têm cerca de cem alunos.
Seu maior orgulho, porém, foi ter conseguido a mudança nas diretrizes dos cursos de medicina no Brasil em dezembro de 2022, com a inclusão da disciplina voltada a cuidados paliativos. “Agora tenho uma disciplina para chamar de minha”, afirma a médica.
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