Anos atrás, tomando vinho com um grupo de colegas na Espanha. O meu amigo Chachi coloca uma garrafa sobre a mesa e anuncia com orgulho jocoso: “Este no tiene código de barras!”. Nostalgia de um mundo em extinção, mais espontâneo e menos regulado. Proclamação do código de barras como emblema de um capitalismo digital, que invade até os rincões mais tradicionais.
O primeiro código de barras foi feito em 1949, pelos engenheiros norte-americanos Norman Woodland (1921–2012) e Bernard Silver (1924–1963). Tudo começou com a visita ao campus da universidade de um executivo de supermercados com o pedido de que desenvolvessem um método eficaz para identificar produtos e codificar as suas propriedades. Silver, que então era estudante de doutorado, escutou a conversa e chamou Woodland para ajudá-lo nesse projeto.
Eles se inspiraram no código Morse dos telegrafistas, em que as letras e os números são todos representados por meio de dois símbolos apenas, ponto e traço. “O que vou contar parece um conto de fadas”, contou Woodland numa entrevista em 1999. “Enfiei meus quatro dedos na areia e, por qualquer motivo que eu não sei, puxei a mão na minha direção e desenhei quatro linhas. E pensei: ‘Nossa! Agora eu tenho quatro linhas, e elas podem ser linhas largas e linhas estreitas em vez de pontos e traços’.”
Os inventores acabariam vendendo a sua patente à empresa Philco por US$ 15 mil. Pode parecer pouco por uma invenção que hoje identifica dezenas de milhões de produtos em lojas e supermercados em todo o mundo, mas o sistema que eles desenvolveram era pouco prático e não chegou a ser usado comercialmente.
Um dos problemas é que as barras eram circulares: “Apenas alguns segundos depois”, acrescentou Woodland, “peguei meus quatro dedos —que ainda estavam na areia— e os arrastei em um círculo completo”. Esse formato circular parecia vantajoso, mas exigia um leitor enorme, caro e pouco confiável.
O código de barras só foi se tornar popular no início dos anos 1970, quando ajudou a automatizar os supermercados. O padrão atual, com barras retangulares, foi criado àquela altura pelo engenheiro norte-americano George Joseph Laurer (1925–2013). Dependendo do uso, existem diferentes dicionários (‘simbologias”) para converter o código de barras na respectiva mensagem. Uma coisa curiosa é que vários deles levam em conta também as larguras dos espaços em branco entre as barras pretas: as “barras brancas” também importam!
No livro “O Novo Sistema Monetário 666”, a evangélica Mary Relfe afirmou que esses códigos escondem o número 666, o “número da Besta” do Apocalipse. Seria indício de uma sinistra organização financeira internacional. Na verdade, trata-se de trechinhos que marcam início, meio e fim da mensagem, e Laurer insistia que o fato de serem parecidos com a representação do dígito 6 não tem nada de sinistro: “É simplesmente uma coincidência, como o fato de meu primeiro nome, nome do meio e sobrenome terem todos 6 letras”. Mas senso comum nunca acabou com teorias conspiratórias.
Hoje, o código de barras está dando lugar ao irmão caçula, o “QR code”, mais poderoso e versátil. É assunto para outro dia.
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