“E quanto tempo vai demorar para eu me desintoxicar da pessoa por quem estou apaixonada? Quando inventarão um remédio para isso?”, diz a personagem de Shirley Maclaine no filme ganhador do Oscar “Se Meu Apartamento Falasse“. Quando um relacionamento termina, a sensação inicial pode ser de expurgar aquela pessoa da nossa vida. Mas nem todo fim precisa ser um ponto final.
A crítica de moda Renata Brosina, 34 anos, encara os términos como algo natural, algo que ocorre quando não há mais razão para continuar. “Na verdade, tenho um histórico de manter boas relações com meus ex. Já fui até madrinha de casamento de um deles”, diz.
Brosina teve um namoro de seis anos com o pai de seu filho, Nico, de cinco anos, e acredita que a amizade entre ambos vai além da convivência pelo menino. Os dois têm muitos amigos em comum e circulam no mesmo meio social.e o nom
“Prolongar algo sem felicidade, na esperança de que as coisas melhorem, não faz sentido. Quando o amor acaba, prefiro a sinceridade, lidar com a verdade do que alimentar falsas expectativas.”
A filósofa e psicóloga Célia Horta, doutora pela USP, aborda a transformação das relações ao longo da vida citando psicanalista Melanie Klein. Segundo ela, é importante a capacidade de enxergar o ex-parceiro com suas qualidades e defeitos, sem demonizá-lo, o que facilita a elaboração do luto e, eventualmente, a construção de uma amizade ou uma relação cordial.
Muitas vezes, é necessário um processo de adaptação ao transformar um relacionamento amoroso de longa duração em outro tipo de conexão. Como aceitar que a presença constante da pessoa não é tão comum em uma amizade quanto em um namoro.
Há quem defenda ainda que não é necessário “apagar” a história com um ex, a não ser que o relacionamento traga gatilhos emocionais ou lembranças ruins. Mas sim que é preciso avaliar o que foi construído no relacionamento e o que funciona para ambos.
A maturidade emocional nesse contexto vem da capacidade de refletir, aprender e aceitar o que foi vivido, sem tentar apagar ou negar o que aconteceu.
Vera Oliva, 59 anos, publicitária, acredita também que nem todo fim de relação significa o final de um vínculo. A exceção, para ela, foi seu ex-marido, que faleceu depois de passarem 32 anos juntos.
Embora o casal tenha se divorciado antes da doença dele, foi a morte trouxe um fechamento definitivo à história. Mesmo com desafios em suas relações passadas, Vera conseguiu manter amizades com ex-parceiros, e acredita que teria mantido com o ex-marido também.
A doutora em psicologia Karen Scavacini acrescenta que cada término é único e pode ser difícil, especialmente no início. O processo de adaptação depende do tipo de vínculo, da maturidade emocional e das circunstâncias do término. “As pessoas precisam de tempo para curar as feridas e lidar com a dor”, conclui.
A comunicóloga Natalia Araújo, de 38 anos, diz que, no caso de sua transição para a amizade com um ex, precisou ocultar as publicações das redes sociais dele durante um tempo. Ela percebeu como o ato de ver constantemente o ex curtindo a vida nas redes sociais e se comparando ao seu novo estilo de vida pode intensificar o sofrimento.
“Você está em casa no sábado à noite e vê a pessoa feliz, se divertindo, conhecendo novas pessoas… Isso traz um impacto emocional negativo”, ela explica, refletindo sobre a pressão social gerada pelo fenômeno do FOMO (Fear of Missing Out) nas redes.
Para Renata Brosina, a forma de lidar com as redes sociais é evitar exposições desnecessárias após a separação. Ela passou a parar de publicar com tanta frequência, especialmente em momentos de diversão, considerando o respeito aos familiares do ex-companheiro e a necessidade de assimilar a mudança com mais privacidade.
Esse contexto digital contribui para a dificuldade do processo de adaptação. Michelle Prazeres, líder do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Tecnologias e Aceleração Social do Tempo” na Faculdade Cásper Líbero (SP), pontua que a comunicação digital assíncrona (como mensagens trocadas por WhatsApp ou redes sociais) amplifica o impacto emocional de um término.
“O impacto da comunicação digital nas relações é um fator que acelera as rupturas emocionais, especialmente quando não há uma troca de espaço e tempo entre as pessoas envolvidas”, observa Michelle. O conceito de desintoxicação digital pode ser uma forma de apaziguar os efeitos das redes sociais nas relações pessoais, especialmente após um término.
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