O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) espera tentar vencer a resistência em torno da “PEC das Praias” e avançar com a proposta de emenda à Constituição que põe fim à propriedade exclusiva da União sobre os chamados terrenos de marinha.
A PEC das Praias, como ficou conhecida, está na pauta de quarta-feira (4) da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, mas pode ficar em segundo plano com a apresentação do relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM) do projeto que regulamenta a reforma tributária.
Na base do governo Lula (PT), a avaliação é de que a PEC entrou na pauta em mais um aceno à oposição feito pelo presidente da comissão, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) —que está em campanha para voltar à presidência do Senado em fevereiro. Parlamentares do PT também prometem pedir vista, mais tempo para analisar o relatório de Flávio.
Nesta segunda-feira (2), a bancada ambientalista articulou a publicação de uma carta que reúne 40 entidades contrárias à PEC.
O texto defende a importância dos terrenos de marinha para mitigar efeitos das mudanças climáticas (como a erosão da costa) e preservar áreas essenciais para o equilíbrio ecológico dos oceanos e da vegetação de mangues e restingas.
“As legislações de proteção costeira em diversos países revelam que muitos estabelecem faixas de segurança mais amplas do que as do Brasil. Isso reforça a ideia de que extinguir os terrenos de marinha seria uma medida contrária às práticas globais de utilizar essas áreas como uma proteção contra as ameaças ambientais e climáticas”, diz a carta.
O texto também afirma que as mudanças propostas pela PEC trazem riscos “à defesa nacional e ao Estado democrático”, uma vez que as áreas de marinha foram criadas por motivos de proteção da soberania brasileira.
A PEC foi aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022, mas ganhou repercussão em maio deste ano, quando Flávio apresentou relatório favorável e realizou audiência pública a pedido do senador petista Rogério Carvalho (PT-SE), que é contra as mudanças.
O debate se intensificou com o bate-boca virtual entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar —que anunciou parceria com uma construtora para empreendimentos à beira-mar. No domingo (1º), a atriz publicou um vídeo em suas redes sociais chamando atenção para a volta da PEC.
“Vamos movimentar o Brasil como a gente fez da última vez e não deixar esperto vim tirar a praia da gente. Porque malandro que é malandro, se soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem”, disse a atriz.
Para tentar reverter a imagem negativa em torno da PEC das Praias, Flávio criou um site com perguntas e respostas sobre a proposta e apresentou um novo parecer, em agosto, em que afirma que “as praias são bens públicos de uso comum do povo”.
O senador propõe uma emenda que diz: “As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica, não sendo permitida qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias, nos termos do plano diretor dos respectivos municípios”.
Como mostrou a Folha, a PEC das Praias foi duramente combatida em 2022 por membros do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pai do atual relator.
Uma manifestação técnica da SPU (Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União), ligada ao Ministério da Economia de Paulo Guedes, alertou que a aprovação do texto poderia representar a “maior transferência de patrimônio público para o privado que se tem notícia na história”.
A PEC permite à União realizar a transferência onerosa de terrenos de marinha em áreas urbanas para estados e municípios ou para proprietários privados. O termo “onerosa” significa que os ocupantes precisam pagar pela aquisição, mas o texto é vago e, na avaliação de técnicos, abre brechas para um calote.
Ambientalistas também afirmam que, ao tirar os terrenos de marinha da União, a PEC permite que os novos donos restrinjam o acesso às praias, privatizando o litoral brasileiro —problema que Flávio afirma ter resolvido com a última versão do parecer.
Defensores da PEC, incluindo o relator, apontam a aprovação traria segurança jurídica para quem atualmente ocupa esses terrenos. Segundo o bolsonarista, o objetivo é acabar com o pagamento de “taxas absurdas” à União.