Nervos abalados e bebidas derramadas são os resultados mais comuns de um voo turbulento, mas a turbulência intensa também pode causar danos corporais. E, embora uma causa bem conhecida de turbulência aérea sejam as tempestades, ainda não se compreende bem até que ponto condições instáveis podem persistir longe de uma tempestade.
Para responder a essa pergunta, pesquisadores analisaram recentemente milhões de medições de turbulência aérea coletadas por aeronaves comerciais. A equipe descobriu que o risco aumentado de um voo agitado se estendia a 88,5 quilômetros de distância de uma tempestade, o que é quase três vezes a distância para evitar tempestades atualmente recomendada pela Administração Federal de Aviação (FAA), dos Estados Unidos.
Essas descobertas, publicadas em novembro no Boletim da Sociedade Meteorológica Americana, podem contribuir para a formação de novas diretrizes para evitar tempestades, sugerem os autores do trabalho.
Pilotos e equipes de despacho em terra há muito tempo têm um olho treinado no clima. “Os vínculos entre meteorologia e aviação vão muito, muito longe”, disse a cientista atmosférica Stacey Hitchcock, da Universidade de Oklahoma em Norman.
Tempestades preocupam sobretudo pilotos. “Você tem mudanças muito rápidas na movimentação vertical e horizontal em curtas distâncias”, disse Hitchcock. Esses movimentos caóticos, que também podem ser causados por correntes de jatos e ar se movendo ao redor de obstáculos como montanhas, podem fazer com que a aeronave suba e desça.
No passado, pilotos destemidos desempenharam um papel fundamental em revelar como as aeronaves experimentam turbulência perto de tempestades: uma frota de cinco aeronaves P-61C Black Widow voou repetidamente através de tempestades acima da Flórida e de Ohio na década de 1940.
“Nenhuma tempestade deveria ser evitada porque parecia muito grande ou muito violenta”, disse posteriormente um analista sênior do Projeto Tempestade em uma reunião da Associação Nacional de Meteorologia americana.
Hoje, no entanto, os cientistas têm acesso a uma grande quantidade de informações acerca da turbulência do ar. “Quase todas as aeronaves comerciais agora estão coletando algum tipo de dados sobre turbulência”, afirmou o cientista atmosférico Todd Lane, da Universidade de Melbourne, na Austrália, que esteve envolvido na nova pesquisa.
Hitchcock e seus colaboradores analisaram aproximadamente 200 milhões dessas medições feitas sobre o espaço aéreo dos Estados Unidos de 2009 a 2017. A equipe focou a taxa de dissipação de turbulência, uma métrica relacionada à aceleração vertical experimentada por um avião e seus ocupantes.
Em seguida, a equipe explorou dados de radar arquivados para calcular as localizações de tempestades. Ao comparar as posições de aviões e tempestades em espaço tridimensional, os pesquisadores determinaram como o risco relativo de experimentar turbulência leve, moderada e severa mudava com base na distância de uma tempestade.
Como esperado, Hitchcock e seus colegas descobriram que a turbulência era muito mais provável quando um avião estava perto de uma tempestade. Voar a cerca de cinco quilômetros de uma tempestade aumentou o risco de um voo experimentar turbulência severa em quase 20 vezes, concluiu a equipe. No entanto, a turbulência severa também é extremamente rara: um avião teria que voar por sete dias seguidos apenas para experimentar um minuto dela, em média.
E a esfera de influência de uma tempestade se estendeu a distâncias significativas, mostraram os pesquisadores. “Você pode até ir até 50, 60, 70 quilômetros de uma tempestade e ainda ter o dobro do risco de turbulência”, disse Lane. No geral, a equipe descobriu que o risco de experimentar turbulência leve, moderada ou severa permaneceu acima do nível até 88,5 quilômetros de uma tempestade.
As diretrizes atuais da FAA para evitar tempestades recomendam que os pilotos mantenham uma distância horizontal de pelo menos 32 quilômetros de uma tempestade. As novas descobertas poderiam desempenhar um papel na revisão dessas diretrizes. “Estou tendo conversas com pessoas da FAA”, disse Hitchcock.
Mas dar às tempestades uma maior distância significaria mais desvios de aeronaves, o que não é tarefa fácil em um espaço aéreo lotado, segundo Mohamed Foudad, pesquisador de turbulência na Universidade de Reading, na Inglaterra, que não esteve envolvido na pesquisa. “Será complicado impor mais restrições a essas diretrizes.”
Outra possibilidade é que os capitães poderiam optar por ligar o sinal do cinto de segurança mais cedo, quando os aviões estiverem mais distantes das tempestades, disse Hitchcock.
Os passageiros já são encorajados a manter o cinto de segurança durante todo o voo, e incentivá-los a afivelar o cinto mais cedo —e os comissários de bordo a permanecerem presos em seus assentos— poderia ajudar a prevenir lesões causadas por turbulência.
Um relatório publicado pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes, agência dos EUA, concluiu que, dos 123 passageiros e comissários de bordo gravemente feridos por turbulência aérea de 2009 a 2018, apenas uma pessoa estava usando o cinto de segurança no momento.
“Talvez precisemos apenas ligar o sinal do cinto de segurança um pouco mais cedo”, afirmou Hitchcock.