O envolvimento de indígenas na mineração ilegal de ouro, atraídos pelos preços recordes no mercado mundial, tem tornado a tarefa do Brasil de reprimir o garimpo na Amazônia muito mais difícil, segundo agentes ambientais e policiais.
A terra Munduruku, no Pará, tornou-se um ponto crítico para o garimpo ilegal, atividade proibida nesse tipo de território. O local é uma reserva ao longo do rio Tapajós, com 140 aldeias, cerca de 9 mil indígenas e com o tamanho da metade do estado do Rio de Janeiro.
Durante uma operação do Ibama, agentes chegaram de helicóptero e encontraram um acampamento de mineração em uma clareira, mas os garimpeiros haviam fugido.
Os agentes destruíram dois motores usados para bombear água por filtros que capturavam pepitas de ouro e afirmaram que as redes e roupas no local eram evidências de que os garimpeiros eram indígenas.
A mineração de ouro tem causado divisões dentro da etnia Munduruku. A maioria acredita que é errado, mas líderes do grupo dizem que a falta de assistência governamental força seu povo a buscar a renda do garimpo para enfrentar a pobreza.
Com aval de lideranças indígenas, a reportagem visitou em novembro aldeias, no início da megaoperação do governo de desintrusão da terra Munduruku.
No ano passado, o cacique e garimpeiro Samuel Manga Bal, 57, teve um dia de sorte. Ele encontrou 60 gramas de ouro em um rio que corta as terras de sua tribo — vinte vezes mais do que costuma conseguir em um dia.
Mas seu irmão, Domingo, ficou furioso e ameaçou matá-lo se continuasse, forçando-o a deixar a aldeia no ano passado.
“Eu vou voltar para o garimpo, porque a situação está muito ruim agora. Não temos café, não há açúcar, nada, só farinha de mandioca”, disse.
A reserva está localizada no município de Jacareacanga, cidade com 26 mil habitantes, onde lojas compram ouro abertamente dos garimpeiros.
Caminhões chegam e saem carregando retroescavadeiras usadas para abrir poços de prospecção. Maquinários como esse podem chegar a valer R$ 3 milhões.
Apesar da pobreza visível, o PIB per capita de Jacareacanga é de R$ 90 mil, superior ao de São Paulo, a maior metrópole do Brasil. Indicativo da riqueza oculta, nenhuma autoridade ou especialista soube sequer estimar o quanto de ouro foi ou é extraído do território ilegalmente.
Boa parte da população sobrevive de programas sociais como Bolsa Família, convive com esgoto a céu aberto, não tem água tratada e a energia elétrica é gerada por queima de óleo diesel.
O presidente Lula prometeu acabar com o garimpo ilegal, que floresceu sob o mandato de Jair Bolsonaro, e se tornou mais difícil de reprimir na Amazônia. Ainda no governo Bolsonaro houve uma ordem do Supremo Tribunal Federal para a desintrusão de invasores de terras indígenas.
Expulsar os garimpeiros se tornou mais complicado diante do fato de que indígenas estão garimpando. Lideranças estimam que 40% do garimpo na reserva é realizado por indígenas.
Ainda assim, o governo começou, em novembro, uma megaoperação com a participação de representantes de 20 órgãos, entre eles Exército, Ibama e Funai.
Em uma aldeia a 30 minutos de barco do porto de Jacareacanga, o cacique local Jonathan Kaba Biorebu, 44, disse que a solução é investir em desenvolvimento sustentável, sugerindo a venda de créditos de carbono para empresas que buscam compensações por sua poluição.
Sua aldeia já se beneficiou de um acordo de créditos de carbono assinado pela Associação Indígena Pusuru, que planeja construir 40 poços para água potável.
A reportagem acompanhou outra ação terrestre da Força Nacional e da Funai na Vila Mamãe Maria, um importante entreposto de escoamento do garimpo às margens do Tapajós, distante duas horas e meia de carro de Jacareacanga. Nessa ação, os servidores entregaram panfletos explicativos e identificaram uma pista de pouso clandestina.
Uma terceira ação ocorreu nas imediações do porto de Jacareacanga. No local, a equipe flagrou pessoas desmontando peças de uma draga, estrutura de madeira que serve para perfurar o leito dos rios na busca por ouro.
Na cidade, moradores estão preocupados com o futuro. Comerciantes relatam quedas nas vendas. De maneira geral, a população não indígena é a favor da legalização do garimpo.
“A renda aqui vem do garimpo. A maioria da população depende disso, até mesmo os indígenas”, disse o Claudemir Pereira, 30, dono de uma loja de vestuário que viu o movimento cair em 90% desde o início da operação.
José Francisco, 68, dono de um mercado, também viu queda nas vendas. Ele acredita que com o cerco ao garimpo ilegal a situação da cidade só vai piorar.
O coordenador-geral da Operação de Desintrusão da Terra Índígena Munduruku, Nilton Tubino, disse que a operação tem o objetivo de acabar com a atividade do garimpo, seja feita por indígenas ou não.
Ele reconhece que a situação dos munduruku é complexa por envolvimento deles próprios no garimpo.
Para Tubino, o mercado de crédito de carbono é um dos caminhos para gerar recursos nessa região aos indígenas. Ele é contra a legalização do garimpo informal.