Terminou neste domingo (1º), em Busan, na Coreia do Sul, a quinta rodada de negociações para a criação de um tratado global de combate à poluição plástica. No INC (Painel Intergovernamental de Negociações, em inglês), os mais de 170 países reunidos não conseguiram chegar a um acordo e a resolução do impasse fica para 2025, em data e local a serem definidos pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
O resultado é consequência da discordância sobre alguns temas-chave entre países. Um deles é a regulação de substâncias químicas —dos mais de 16 mil aditivos usados na produção de plásticos, pelo menos 4.200 são considerados preocupantes por causarem dano à saúde humana e ao meio ambiente.
Outro ponto de discórdia foi a redução na produção de plásticos, especialmente os descartáveis de uso único, vetada por produtores de petróleo como Arábia Saudita e Kuait.
A decisão sobre os mecanismos de financiamento para implementação do tratado também criou arestas, e o próprio escopo da negociação —se as regras seriam voluntárias ou legalmente vinculantes— foi outro ponto de desavença.
“As ações a serem tomadas pelos países não podem ser voluntárias. Precisam ser legalmente vinculantes para criar a coordenação global que precisamos para lidar com o problema da poluição plástica”, diz Erin Simon, vice-presidente e diretora de resíduos plásticos e negócios da ONG WWF (World Wildlife Fund International).
Ela conta que produtores de petróleo colocaram pressão para que os itens do acordo fossem voluntários, ou deixados a cargo de cada país sobre como fazer.
“Os países já estão fazendo isso, e claramente não está funcionando. A razão de ser desse acordo é justamente que ele tenha força legal —de outro modo, não seria preciso discutir um tratado internacional”, ela observa.
Outra tática para enfraquecer as discussões, conta Erin, foi a tentativa de alguns países em tratar a negociação “como se fosse sobre gerenciamento de resíduo sólido e reciclagem”. “A discussão claramente não é sobre isso, é sobre toda a cadeia do plástico desde sua produção”, afirma.
Catadores cobram medidas
Intimamente envolvidos na ponta final do ciclo de vida dos plásticos, catadores e recicladores concordam com Erin.
“Há quem diga que se houver redução na produção de plástico, seremos prejudicados porque teremos menos material para vender”, diz a presidente da Associação Movimento Nacional Recicladores de Chile (Anarch), Maria Soledad Vidal, que participou das negociações em Busan.
“Mas isso não é verdade. Menos plástico vai ser benéfico para a nossa saúde, por nos expor a menos aditivos químicos preocupantes”, observa.
O mais importante é ter menos plástico e melhores condições de trabalho, diz Silvio Ruiz Grisales, reciclador colombiano e representante da Rede Latinoamericana e do Caribe de Recicladores (Red Lacre). Ele argumenta que catadores e recicladores deveriam ser pagos pelos seus serviços ambientais, não pela quantidade de material que conseguem vender a centros de reciclagem.
“Precisamos de transição justa, reconhecimento econômico e jurídico —a segurança de que poderemos manter nosso trabalho mesmo que as condições mudem. De que vamos receber nossos salários e ao menos o mínimo que precisamos para nos manter e crescer”, afirma Grisales.
Para o brasileiro Severino Lima Júnior, presidente do conselho executivo da Aliança Internacional de Catadores (IAWP, na sigla em inglês), o trabalho representa “a última fronteira”.
“Se não há ainda mais plástico sendo jogado nos oceanos, é porque somos mais de 20 milhões de trabalhadores impedindo que isso aconteça. Somos a última fronteira ante o caos”, diz.
Expostos, mas mobilizados
Estes trabalhadores têm sua saúde ameaçada pela exposição aos materiais que vendem para se sustentar. Um relatório da Rede Internacional de Eliminação de Poluentes (IPEN, em inglês), lançado semana passada, durante as negociações sobre poluição plástica em Busan, dá conta de que o grupo está exposto a doses muito altas de substâncias químicas danosas, já reguladas ou não.
No estudo, um grupo de 30 pessoas —entre recicladores, catadores de material reciclável e funcionários que trabalham em escritório na Tailândia— usaram pulseiras de silicone para medir a exposição a substâncias químicas presentes em plástico por cinco dias. Todos os participantes estiveram expostos a uma média de 30 das 73 substâncias analisadas.
Um dos achados é que catadores estiveram mais expostos que os outros dois grupos a ftalatos, substâncias adicionadas ao plástico para torná-lo mais flexível e que causam dano ao sistema endócrino.
Um tipo específico, o DEHP —banido em alguns produtos na Europa e nos Estados Unidos—, foi encontrado em altas concentrações nas pulseiras de catadores. Retardantes de chamas, que causam problemas hormonais e de desenvolvimento neurológico, foram encontrados em concentrações mais altas entre recicladores.
Uma das expectativas de catadores e recicladores é que o tratado sobre poluição plástica incluísse uma lista de grupos de substâncias químicas preocupantes para regulação —algo para o qual o Brasil chegou a propor critérios de avaliação.
O tratado final pode não ter saído agora, mas houve avanços durante o processo, diz Lima Júnior.
“A incidência e o trabalho de visibilidade que foram feitos pela categoria dos catadores foram imensos”, conta ele. “Fizemos parte de todos os painéis de negociações e reuniões interseccionais, e isso demonstra a importância do nosso trabalho e o reconhecimento da atividade de catadores em nível mundial”, acrescenta.
O reconhecimento da importância do trabalho de catadores e recicladores por parte de governos e organizações internacionais é algo que traz alegria e reforça a responsabilidade da categoria, diz Lima Júnior.
Ainda que o tratado não tenha saído, ele diz que a sensação que tem é de missão cumprida. “O catador veio [à negociação] apresentar sua proposta. Saio de Busan muito feliz com o nível de discussão e participação”.
Ele conta que há delegações que convidaram os catadores para diálogo e parceria durante as negociações. “E isso é muito importante para a continuidade do nosso trabalho e nessa luta por reconhecimento. Não aceitamos ser usados e que ninguém fale em nosso nome. O catador pode falar por si”, ressalta.
A jornalista viajou a Busan com bolsa do Grid-Arendal.