A Afne (Associação Filantrópica Nova Esperança), investigada pelo Ministério Público após cerca de 30 mortes e irregularidades no Hospital Bela Vista, na região central de São Paulo, já foi acusada de operar como laranja em uma investigação do MPF (Ministério Público Federal) no Rio de Janeiro, em 2020. No ano seguinte, porém, a organização foi contratada pela gestão Ricardo Nunes (MDB) para operar a unidade de saúde voltada à população de rua da capital.
Atualmente, a OSS (Organização Social de Saúde) é investigada pela Promotoria paulista pela morte de cerca de 30 pacientes, entre agosto e setembro. Uma inspeção também encontrou problemas como falta de isolamento em áreas destinadas ao tratamento de tuberculose e falta de médicos. O local foi fechado pela prefeitura em outubro.
A Afne afirma que a investigação do MPF (Ministério Público Federal) se tratava de “acusações genéricas, sem qualquer fundamento ou comprovação jurídica”, e que não resultaram em “ação judicial em face da Afne ou seus diretores”. Quanto aos relatos sobre gestão do Hospital Boa Vista, a OSS afirma que “todas as medidas inerentes a segurança e saúde dos pacientes foram devidamente tomadas”.
Já a SMS (Secretaria Municipal da Saúde) de São Paulo declara que o processo de “contratação respeitou os princípios de transparência, eficiência e ética na gestão dos recursos públicos” e que a organização “apresentou toda a documentação exigida em edital e comprovação de capacidade técnica.”
Investigação no Rio
No primeiro ano de pandemia, a Afne foi alvo da Operação Tris in Idem do MPF pela suspeita de um esquema de desvio de dinheiro da saúde no governo do Rio de Janeiro. O esquema de corrupção era organizado pelo pastor Everaldo Pereira, então presidente nacional do PSC (Partido Socialista Cristão), segundo o MPF.
A investigação concluiu que o grupo negociava propinas com funcionários públicos para que a Afne fosse selecionada em licitações para gerir UPAs (Unidade de Pronto Atendimento) e unidades de saúde no estado fluminense. Entre elas, o atendimento à população carcerária, em Bangu.
Após vencer a licitação no Rio, a Afne, então, teria repassado entre 3% a 6% do dinheiro público para o grupo, conforme o MPF. O inquérito também diz que a OSS era controlada por um irmão de Everaldo, mas registrada no nome de Cláudia Marta Pessanha de Souza.
A investigação afirma que Cláudia, na verdade, era uma “laranja” com “renda tão baixa” que até 2008, ganhava R$ 500 mensais e, durante a pandemia, recebia auxílio emergencial.
O Ministério Público Federal concluiu que o esquema tinha como objetivo angariar cerca de R$ 400 milhões envolvendo também outras OSS, e o dinheiro seria lavado em empresas do grupo familiar ligado a Everaldo. O político foi preso na ocasião. Hoje, é vice-presidente nacional do partido Podemos.
Apesar da denúncia, Cláudia ainda assina os contratos mantidos entre a Prefeitura de São Paulo e a Afne. Em nota, a OSS afirma que Cláudia é gestora administrativa desde 2003 e nega relação com o pastor Everaldo.
À Folha, o político diz desconhecê-la. “O pastor Everaldo nunca teve envolvimento com esta empresa; não conhece, nem jamais esteve com esta cidadã; tampouco participou de qualquer licitação. Além disso, o pastor Everaldo permanece à disposição da Justiça”, diz, em nota, a assessoria de imprensa.
No fim do inquérito, 12 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal à Justiça, que acatou o pedido de prisão de Everaldo, solto em 2021. O processo contra ele ainda tramita, mas a OSS não foi denunciada O desenrolar da investigação também levou ao afastamento do ex-governador fluminense Wilson Witzel.
Além da gestão do Hospital Bela Vista, em 2021, a Afne também ficou responsável pela supervisão técnica e administração de 43 unidades de saúde na região central. Apenas para o primeiro ano de serviço, a prefeitura calculou repassar R$ 335 milhões para a empresa. O contrato continua vigente.
Em julho, a secretaria repassou R$ 1,4 milhão para a OSS realizar o pagamento de dissídio dos profissionais de enfermagem. Em conjunto à medida, publicou um acréscimo de cerca de R$ 160 mil reais mensais, pagos a partir de setembro deste ano.
Irregularidades no Hospital Bela Vista
Em outubro a Vigilância Sanitária fechou o Bela Vista. Na ocasião, a prefeitura afirmou que o hospital não oferecia risco estrutural ou ambiente insalubre para pacientes e funcionários.
Uma auditoria do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), no entanto, encontrou áreas destinadas à tuberculose sem isolamento apropriado, falta de especialistas, pacientes operados fora de salas cirúrgicas e problemas de esterilização de materiais.
Em resposta à inspeção, Nunes anunciou o fechamento definitivo do Bela Vista e a demissão de mais de 500 profissionais. Na época, a gestão não deu detalhes de para aonde os pacientes seriam transferidos, mas o prefeito afirmou que as mortes seriam investigadas.
Segundo a SMS, os pacientes estão sendo direcionados para “outras unidades de saúde da rede municipal, garantindo a continuidade do atendimento sem prejuízo à assistência.”
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promo ção da saúde.