“Péssimo dia para ser anti-SAF”, ironizou o subsecretário de imprensa de Javier Milei, seu xará Javier Lanari, em seu perfil no X.
A final da Copa Libertadores entre dois times do Brasil em Buenos Aires e a vitória do Botafogo muniram o governo da Argentina de argumento para voltar a defender as Sociedades Anônimas de Futebol.
E Lanari seguiu: “O caso do Botafogo é assombroso; há três anos o time estava quebrado, até que um empresário estadunidense comprou e investiu, hoje são campeões da Copa Libertadores (e na Argentina)”. O presidente compartilhou essa e várias outras publicações.
A vitória do time alvinegro no estádio Monumental de Núñez foi usada por apoiadores de Javier Milei e pelo próprio chefe da Casa Rosada para retomar a defesa das SAFs (SAD em espanhol), tema que o ultraliberal trouxe em sua campanha e que é alvo de resistência das torcidas e da AFA (Associação de Futebol Argentina).
O assunto está longe de um consenso, mas Milei desafiou a AFA. No início do ano, em um extenso decreto com o qual alterou normas de toda a economia e do Estado argentino, estabeleceu que a associação teria um ano para mudar o seu regulamento e passar a permitir a incorporação de clubes que tenham personalidade jurídica de SAF.
Meses depois, em agosto, publicou outro decreto para regulamentar a norma. O pacotão de Milei foi barrado no Senado, mas ainda não foi analisado pela Câmara, de modo que seguirá em vigor, a menos que esta última Casa analise o projeto e também lhe dê cartão vermelho. Enquanto isso, a AFA acionou a Justiça, e um tribunal local barrou a medida, que continua em análise em outras instâncias.
Isso muda consideravelmente o modelo local. Há mais de 50 anos a Lei de Esportes estabelece que, para fazer parte de uma associação de atividades esportivas, os grupos deverão estar organizados juridicamente como uma associação civil sem fins lucrativos.
O decreto também levou a Associação de Futebol a pedir que a Fifa (Federação Internacional de Futebol) e a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) se posicionassem.
Em nota na ocasião, a Conmebol disse que “estabelecer a obrigação de que os clubes prevejam a transformação em uma SAF é uma flagrante ingerência do Estado”. Mais, disse que “é totalmente incondicional, arbitrário e contrário aos direitos humanos que uma lei exija que a AFA aceite um membro que não cumpre com seus parâmetros”.
A própria AFA afirmou que “sabe qual modelo de futebol representa e qual modelo quer para suas instituições —as associações civis sem fins lucrativos—, por mais que tentem nos mudar com decretos, buscando debilitar o futebol argentino para tentar nos convencer de algo que não serve ao nosso modelo de futebol.”
No entorno de Milei, Javier Lanari continuou: “Em 118 anos de história, o Botafogo teve zero Copa Libertadores, mas, com dois anos de SAF, ganhou uma”. A referência é à figura central de John Textor, o manda-chuva botafoguense, que adquiriu 90% das ações do time.
Dono de uma fortuna que supera US$ 1 bilhão (perto de R$ 6 bilhões), o empresário norte-americano também controla o Lyon (da primeira divisão da França) e o Molenbeek (da segunda divisão da Bélgica).
O governo Milei tem respaldo de seu secretário de Esportes, Daniel Scioli, ex-embaixador no Brasil, que defende as SAFs como um projeto que pode potencializar o futebol argentino, ainda que há cinco anos esse político que flerta com o peronismo e com a ultradireita tenha apoiado um projeto para impedir a transformação dos clubes em SAFs.
Para Milei, o impedimento local para as Sociedades Anônimas de Futebol é uma demonstração de “socialismo empobrecedor no futebol”, como escreveu em uma mensagem neste ano.
Quando propôs o modelo de privatização ainda durante a campanha para a Casa Rosada, o hoje presidente viu manifestações enfáticas dos principais clubes argentinos.
Na ocasião, o River Plate (cujo estádio agora sediou o triunfo do Botafogo) disse que, seguindo o espírito de seus fundadores, “opõe-se às sociedades anônimas no futebol argentino e que é uma associação civil sem fins lucrativos e sempre será de seus sócios e de suas sócias”.
O Racing fez comunicado semelhante, assim como o San Lorenzo e o Rosario Central, berço de Ángel Di María. O Boca Juniors disse que “sempre estará comprometido com a realidade social de suas atividades esportivas e culturais e que, convencido da função transcendente que têm os clubes na Argentina há mais de um século, é contra qualquer iniciativa que implique privatização ou venda”.