O físico Rogério Cezar Cerqueira Leite morreu aos 93 anos na madrugada deste domingo (1º). Cerqueira Leite foi um dos mais importantes cientistas brasileiros e esteve à frente de alguns dos principais departamentos de pesquisa e tecnologia do país.
Foi também coordenador geral, professor emérito e diretor dos institutos de Física e Artes da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Além da forte atuação acadêmica, Cerqueira Leite se firmou como um promotor da arte e defensor da democracia. Fundou empresas e atuou em prol do meio ambiente e da reforma agrária. Na Folha, foi membro do Conselho editorial entre 1978 e 2021, e participou da estreia da seção Tendências/Debates em 22 de janeiro de 1976.
Em seu último artigo, falou sobre a distribuição de verbas para pesquisa acadêmica e propôs que a maior parte fosse dedicada a projetos necessários para o desenvolvimento nacional, enquanto a menor parcela destinada aos temas escolhidos pelos cientistas.
Enquanto assinava artigos para o jornal, também atuava no desenvolvimento de centros de pesquisas e laboratórios como o CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais), do qual era presidente.
Embora formado na área de exatas e com foco no desenvolvimento energético do país, Cerqueira Leite também se interessava por arte. Era um colecionador apaixonado e dono de um acervo de esculturas, máscaras e objetos pré-colombianos, chineses e do continente africano.
Em 2012, expôs na Pinacoteca do Estado de São Paulo seu acervo com cerca de 200 itens formado por esculturas, máscaras e arte de países africanos, como o Mali. Entre agosto e setembro deste ano, a coleção foi exibida no Instituto CPFL, em Campinas, com 300 obras que retratam cinco mil anos de arte chinesa.
O físico também atuava fortemente no campo social. Em 1996, chegou a propor a venda do título de uma propriedade na região do Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo, para estimular a reforma agrária no estado durante o ápice da discussão sobre o tema no país.
Ele também fundou e dirigiu duas empresas na área de pesquisa, ambas em Campinas: a Codetec (Companhia de Desenvolvimento Tecnológico), em 1975, e a Ciatec (Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas), em 1979.
De 1983 a 1986, durante o governo estadual de Franco Montoro (PMDB), foi vice-presidente executivo da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz). Seu trabalho levou a empresa a ser a primeira do Brasil a realizar contratos de compra de energia de biomassa proveniente da cana-de-açúcar. As principais vantagens dessa alternativa energética em relação ao uso de combustíveis fósseis são o custo de aquisição mais baixo, menor impacto no meio ambiente e menor corrosão de fornos e caldeiras, além de ser um recurso renovável.
Foi agraciado com a Cátedra da Universidade de Montreal, Canadá, em 1979, e com a Comenda da Ordem Nacional do Mérito da França, em 1980. No Brasil, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2006).
Crítico do acordo nuclear Brasil-Alemanha desde sua assinatura, em 1975, entre outras razões por considerá-lo desvantajoso para o desenvolvimento da tecnologia nacional no setor, Cerqueira Leite também foi um observador atento de outras iniciativas governamentais nesse campo.
Em 1984, em plena efervescência política do país com a mobilização pelas eleições diretas para a presidência da República, ele afirmou em um debate na Folha que suspeitava que um programa nuclear para fins militares estava sendo desenvolvido em sigilo pela Aeronáutica, no ITA, e pela Marinha, nas instalações da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), na USP (Universidade de São Paulo).
Em 2007, em uma reunião na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Cerqueira Leite apresentou um estudo propondo a substituição de 10% da gasolina usada no mundo por álcool produzido no Brasil. Para isso, seria necessário o aumento da produção nacional do combustível, então de cerca de 2,8 bilhões de litros por ano, para cerca de 200 bilhões. Isso exigiria investimentos de R$ 20 bilhões em 20 anos e crescimento de 400% da área de plantio de cana no Brasil, segundo a avaliação Projeto Etanol, uma parceria da Unicamp com o Ministério da Ciência e Tecnologia iniciada em 2005 e que foi coordenada por ele.
Em relação ao aquecimento global, além de suas propostas de mais investimentos no etanol e em novas tecnologias, o professor emérito da Unicamp vinha criticando duramente os autodenominados céticos do clima, que negam a participação humana na origem do aumento da temperatura média global desde a Revolução Industrial e também a previsão de grandes mudanças climáticas com prejuízo para o ambiente e a sociedade.
“Apenas a vaidade arrogante e a irresponsabilidade intelectual acomodariam esse abuso contra a razão”, disse ele em um artigo de fevereiro de 2010.
Nos últimos anos, o físico brasileiro passou a ser ainda mais critico à tradição e à estrutura das universidades brasileiras, nas quais ele apontava ineficiência gerada por “uma convergência de fatores perniciosos, dentre os quais se destacam excessos burocráticos, corporativismo e diluição de autoridade e de responsabilidades”.
Ele deixa a esposa, três filhos e seis netos. Cerqueira Leite ficou internado nas últimas semanas por complicações da diabetes e será velado no cemitério Flamboyant, no bairro de Gramado, em Campinas, neste domingo.
Maurício Tuffani, um dos autores deste texto, morreu aos 63 anos em 2021. Ex-editor de Ciência da Folha, foi referência no jornalismo científico e ambiental do país