O botafoguense Mané Severiano estava em Buenos Aires como turista em 1995, quando o Botafogo ganhou seu primeiro Brasileirão, embora tenha vencido também a Taça Brasil de 1968, tão importante como, mas outro torneio.
No dia 30 de novembro ele chegou à capital argentina para passar duas semanas e de lá acompanhou a conquista botafoguense na decisão com o Santos, quase 40 anos atrás.
Desde então jejuou em matéria de conquistas importantes e permaneceu devoto do clube da Estrela Solitária porque torcedor de verdade jamais abandona sua paixão.
Supersticioso para não ser apenas redundante com o botafoguismo, embora também pessimista, para ficar 100% pleonástico, resolveu que a inédita taça só viria se ele estivesse no Monumental de Núñez, agora não mais a passeio, mas como missionário.
Mané Severiano nunca teve dúvidas entre Garrincha e Túlio, mas no caminho da volta a Buenos Aires, onde jamais havia voltado, descobriu que Luiz Henrique, camisa 7 às costas, parecia querer inocular uma dúvida em sua cabeça, subitamente acossada pela heresia de contestar o lugar do Anjo das Pernas Tortas na história do alvinegro campeão desde 1907.
“Não é pelo futebol“, discutia consigo mesmo, “incomparável, mas pelo tamanho da conquista”.
Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo, Zagallo, Manguinha, Nilton Santos, Jairzinho, Túlio, Mauricio, também número 7, autor do gol que acabou com a fila de 21 anos, nenhum deles deu ao clube de General Severiano título tão importante como o conquistado no lendário estádio portenho.
Mané Severiano sabia que o Fogão era favorito, o que, ao contrário de tranquilizá-lo, só o deixava mais aflito.
E o gigante angolano Bastos estava fora da decisão, péssimo sinal na cabeça atormentada de Mané Severiano.
Antes de contar como Mané assistiu à finalíssima, é preciso dizer que, embora homônimo, ele não tem qualquer parentesco com o general, categoria que anda em baixa por bons motivos no bairro de Botafogo e no país inteiro, para não dizer na América.
Jamais o Monumental de Núñez, em 86 anos de história, havia ficado tão colorido em preto e branco.
Como se sabe, quando a bola começa a rolar, favoritismos se dissolvem como tudo o que é sólido desmancha no ar.
Aí, com menos de um minuto, em 40 segundos, Gregore acerta o rosto de Fausto Vera e é expulso de campo.
O favoritismo acabava de se esfumaçar.
A origem do nome Gregore é grega e significa vigilante, apropriado para volantes marcadores como ele que, no entanto, exagerou na vigilância.
Não faz mal. Ou não fez mal.
Porque, ainda no primeiro tempo, Luiz Henrique mostrou por que Mané anda meio chegado a ser herege: fez um gol e sofreu pênalti para ir para o intervalo com 2 a 0 no placar.
Artur Jorge dava aula de ousadia, ao não mexer no time com um a menos.
Como certas coisas só acontecem…, sim, aconteceu que Vargas diminuiu com menos de dois minutos no segundo tempo.
Mas o bem armado Botafogo não apenas resistiu como, no 7º minuto dos acréscimos, viu Júnior Santos receber o espírito de Garrincha e depois de entortar a defesa pela direita fazer o improvável 3 a 1.
Mané Severiano pensa em voltar a pé para casa.
Porque cada passo que der será para reverenciar Luiz Henrique, sem comparações.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.