Um grupo de pesquisadores brasileiros apresentou uma proposta inovadora para resolver um debate que já dura décadas entre físicos teóricos: quantas constantes fundamentais são necessárias para descrever o Universo observável? Aqui, a expressão “constantes fundamentais” refere-se aos padrões básicos necessários para medir tudo.
O estudo, publicado na revista Scientific Reports, teve a participação de George Matsas e Vicente Pleitez, ambos do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), além de Alberto Saa, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (Imecc-Unicamp), e Daniel Vanzella, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP).
O grupo argumenta que o número de constantes fundamentais depende do tipo do espaço-tempo em que as teorias são formuladas. E que, em um espaço-tempo relativístico, esse número pode ser reduzido a uma única constante, utilizada para definir o padrão de tempo. O estudo é uma contribuição original à polêmica instaurada em 2002 por um artigo famoso de Michael Duff, Lev Okun e Gabriele Veneziano publicado no Journal of High Energy Physics.
A história toda começou dez anos antes, no verão de 1992, quando os três renomados cientistas se encontraram no terraço da cafeteria do Cern, a organização europeia para pesquisa nuclear. Em uma conversa informal, descobriram que divergiam em relação ao número de constantes fundamentais. “No verão de 2001, voltamos ao assunto e descobrimos que as nossas opiniões ainda divergiam. Decidimos, então, explicar nossas posições”, escrevem os três no “abstract” de seu artigo.
Em resumo, Okun afirmou que três unidades básicas –metro (comprimento), quilograma (massa) e segundo (tempo)– eram necessárias para medir todas as grandezas físicas. Vale dizer que reafirmou aquilo que era conhecido como Sistema MKS (M, de metro; K, de quilograma; S, de segundo), posteriormente incorporado ao Sistema Internacional de Unidades (SI). Veneziano, por seu lado, argumentou que, em certos contextos, bastariam duas unidades: uma para o tempo e outra para o comprimento. Duff não ficou nem lá nem cá, afirmando que o número de constantes podia variar dependendo da teoria em questão.
Justificando o novo artigo agora publicado, Matsas afirma: “O objetivo é buscar a descrição mais fundamental possível da física. A questão que Okun, Duff e Veneziano levantaram não é, de forma alguma, trivial. Como físicos, somos confrontados com a necessidade de entender qual é o número mínimo de padrões de que precisamos para medir tudo”.
Os pesquisadores brasileiros, apoiados pela Fapesp, sustentam que a quantidade de constantes fundamentais depende do espaço-tempo em que as grandezas físicas são consideradas. E analisam dois tipos de espaço-tempo: o galileano, sobre o qual Isaac Newton (1642-1727) construiu a mecânica clássica; e o relativístico, que oferece o substrato para a teoria da relatividade geral de Albert Einstein (1879-1955).
Há vários espaço-tempos relativísticos, que correspondem a diferentes soluções das equações de Einstein. O mais simples deles é o espaço-tempo de Minkowski, assim nomeado em referência ao matemático judeu-lituano de cultura alemã Hermann Minkowski (1864-1909). Trata-se de um espaço-tempo vazio (livre de partículas e tudo mais), homogêneo (em que todos os pontos apresentam as mesmas propriedades) e isotrópico (em que todas as direções espaciais se equivalem). Por uma questão de facilidade, o artigo em pauta utiliza o espaço-tempo de Minkowski. Mas seus autores advertem que as conclusões a que chegaram podem ser generalizadas para qualquer espaço-tempo relativístico.
“No espaço-tempo galileano, são necessárias réguas e relógios para medir todas as variáveis físicas. No espaço-tempo relativístico, porém, relógios são suficientes. Isto porque, na relatividade, o espaço e o tempo estão de tal forma interligados que basta uma única unidade para descrever todas as grandezas. Relógios de alta precisão, como os relógios atômicos utilizados atualmente, são capazes de atender a todas as necessidades de medição”, diz Matsas.
Como se percebe pela frase anterior, até mesmo no espaço-tempo galileano já é possível uma simplificação de grandezas fundamentais que deixa a massa de fora. “Historicamente, a partir de um esforço de padronização adotado durante a Revolução Francesa (1789-1799), o quilograma foi definido como sendo a massa de um litro de água pura em determinada condição de pressão e temperatura. Em termos práticos, é muito conveniente ter um padrão de massa, mas, do ponto de vista fundamental, ele não é necessário”, afirma Vanzella. “A massa de um corpo é dada pela aceleração com que uma partícula é atraída quando está a uma certa distância da massa.”
Em sua versão atual, o Sistema Internacional de Unidades (SI) utiliza sete unidades básicas: metro (comprimento), segundo (tempo), quilograma (massa), kelvin (temperatura), ampere (corrente elétrica), candela (intensidade luminosa) e mol (quantidade de moléculas ou átomos). “Mas essas unidades são básicas apenas porque atendem a objetivos práticos. Por exemplo, se alguém precisa comprar uma lâmpada, o número de candelas informa quanta intensidade luminosa essa lâmpada deverá fornecer. Porém, há muito tempo é sabido que essas unidades apresentam redundâncias. Isto é, que muitas delas podem ser definidas a partir de outras. Após uma revisão realizada em 2019, essas unidades passaram a ser associadas a constantes da natureza, como a velocidade da luz [c] e a constante de Planck [h]”, pontua Matsas.
Pelo critério usado por Duff, Okun e Veneziano, o número de constantes fundamentais está relacionado ao número mínimo de padrões independentes necessários para expressar todas as grandezas físicas. Repetindo, no espaço-tempo de Galileu todos os observáveis podem ser expressos em termos de unidades de tempo e espaço, que, usualmente, são o “segundo” e o “metro”. Em espaços-tempos relativísticos, a unidade de tempo –vale dizer, o “segundo”– é suficiente para expressar qualquer observável.
E a definição de “segundo” é estabelecida, atualmente, a partir de uma constante da natureza: a diferença de energia entre dois níveis específicos da camada eletrônica do césio-133. Um segundo (1s) corresponde ao tempo de 9.192.631.770 oscilações da radiação emitida quando um elétron transita entre esses dois estados do césio-133. “Qualquer artefato capaz de contar com regularidade 9.192.631.770 oscilações dessa radiação terá medido 1s e poderá ser considerado um relógio honesto”, diz Matsas.
Resumindo: no espaço-tempo relativístico (que é o espaço-tempo no qual o estudo em pauta considera que vivemos), qualquer grandeza física pode ser medida a partir do “segundo”, que constitui a unidade de tempo. O tempo é uma variável, pois está em incessante mudança; mas o “segundo” é definido a partir de uma constante, associada a um certo nível de energia da camada eletrônica do átomo de césio-133.
“O veredicto de que um observável seja ou não uma constante da natureza é absoluto, pois é proclamado pelos relógios honestos, que precisam existir para que o próprio conceito de espaço-tempo faça sentido. Mas a eleição de qual ‘constante fundamental’ será usada para defini-los é uma construção social e histórica que depende da conveniência”, afirma Vanzella.