De frente para um auditório lotado, a psicóloga inglesa Philippa Perry, 67, preferiu sentar no divã amarelo que compunha o cenário do palco do Teatro Santander na manhã de quinta-feira (28). Ela sentou na beirada —decisão que facilitou seus movimentos para ajoelhar e agachar no chão na hora de demonstrar o jeito certo de falar com uma criança.
A autora de “O Livro que Você Gostaria que seus Pais Tivessem Lido” (Fontana) pregou seus ensinamentos de como lidar com os filhos para um público majoritariamente feminino —havia mães de adultos, mães de crianças, grávidas e pessoas que declaradamente não queriam ter filhos.
A palestra desembocou em uma sessão de análise selvagem: as perguntas enviadas pelo público eram na linha de: “meu filho de 8 anos não dorme sozinho, o que fazer?”, ou, “meu filho não come vegetais, como lidar?”. Pegue mais leve, ela diz, e escute seu filho.
“Quando os pais querem evitar que os filhos fiquem tristes, as crianças entendem que elas não são aceitáveis quando estão tristes”, disse, na palestra. Para ela, falta tolerância com a ideia de que não somos felizes o tempo todo.
A psicóloga advoga, acima de tudo, pela honestidade dos pais no diálogo. Isso inclui ter conversas difíceis —mas não só as difíceis— e apresentar as necessidades dos pais para os filhos. Ela deu um exemplo. Na hora de persuadir uma criança a sair do parquinho, pode ser mais eficaz deixar claro que se está cansado, com frio, com fome, do que dizer ao filho que ele precisa comer ou descansar.
“Como impor limites de forma gentil?”, ela questiona. Descobrir esse limite, e impor eles antes que sejam ultrapassados, faz parte de uma relação positiva com os filhos.
Você dedica o seu livro “O Livro que Você Gostaria que seus Pais Tivessem Lido” aos pais que querem gostar dos seus filhos além de amá-los. Qual é a diferença entre amar e gostar?
Nós amamos nossos filhos, certo? Mas algumas pessoas acham seus filhos irritantes porque eles demandam atenção. Parece que podemos priorizar qualquer coisa, menos as crianças. E isso os deixa irritantes porque quanto mais insegura uma criança se sente, mais eles vão agarrar a mãe ou o pai pedindo por atenção. Crianças precisam de atenção e não existe atalho para isso.
Se você dá ao seu filho a atenção que ele demanda a partir do momento que ele nasce, ele vai ser menos irritante. E eles ficam menos irritantes se, como eu falei na palestra, pensarmos sobre o que nós estávamos sentindo quando tínhamos a idade deles. Às vezes queremos evitar esses sentimentos e acabamos e afastamos os filhos. Alguns pais já me disseram que amam seus filhos quando eles estão dormindo. Eles são tão fofos! Como posso ter sido tão ruim com ele o dia todo? É isso que eu quero resolver com esse livro. Quero que os pais gostem dos seus filhos e não os achem irritantes.
Então você quer fazer a maternidade e a paternidade serem mais prazerosas.
Minha meta primária é enfatizar a importância da relação com os filhos. Quero que todo pai tenha uma conexão próxima e única com seu filho, na qual a criança se sinta segura. Por terem sido afastados pelos pais, muitos filhos não confiam neles. Esse afastamento pode ser na forma de você dizer que não gosta de comer ervilhas e seus pais respondem: não seja bobo. Então você não pode dizer nada a eles porque você vai ter essa resposta.
Você quer que um filho comunique, por exemplo, um toque inapropriado. Mas se você afastou a criança anteriormente, eles podem pensar que vão ouvir a mesma resposta de que estão sendo bobos. Se um filho não recebe atenção suficiente, ele pode desistir de pedir. E os pais podem pensar que isso é ótimo. Até chegar a adolescência e surgir a questão: por que meus filhos não falam comigo?
No seu livro você diz que as reações dos pais aos sentimentos dos filhos são sinais da forma como eles foram tratados quando tinham a mesma idade.
Pode ser, mas não sempre.
Como isso funciona? Como você chegou a essa ideia?
Sou psicoterapeuta há mais de 30 anos e eu percebi na prática. Vi pais e mães ficando agitados, deprimidos, quando eles têm a mesma idade dos filhos e algo aconteceu com eles. O corpo tem uma memória.
Digamos que você perdeu um parente em abril. Nessa época do ano você pode se sentir triste sem perceber o motivo, mas é seu corpo percebendo as características similares e entendendo que é um período triste. Outros psicólogos relataram ter visto processos parecidos. Não existe uma pesquisa formal, mas, na prática, acho que fui a primeira a perceber.
No livro você também fala sobre a classificação de bons e maus pais.
É, isso me cansa um pouco.
Passamos por diversos momentos históricos com ideais de parentalidade diferentes. O que era um pai ideal nos anos 1960 é muito diferente do que é agora. O modelo de parentalidade em voga hoje é menos pautado em bons e maus pais?
Não, nem um pouco. As pessoas ainda tem essa ideia performática da criação dos filhos.
O que isso significa na prática?
Significa que as pessoas estão se julgando e acham que estão indo bem. Você não vai tomar café com alguém e pensa como você arrasou ao tomar aquele café. Não é nesses termos que devemos falar sobre nossas relações. Temos que respeitar nossos filhos.
Quando você respeita alguém, você não pensa se é bom ou ruim nisso. Essa ideia te tira dos trilhos. A coisa mais importante na vida de uma criança é a relação com os pais. E é trabalho deles fazer dessa relação o mais funcional possível e cheia de momentos de conexão. Às vezes minha irmã diz que é uma mãe horrível e respondo que não. Isso é só uma desculpa para parar de tentar.
No fim das contas, a criança é um ser humano e deve ser entendida como tal.
Obrigada! Desde antes de nascer até morrer.
Tem um trecho do livro que você diz: “um pai resmungão e honesto é visto como mau. Mas talvez seja melhor do que um pai frustrado e ressentido que se esconde atrás de uma fachada de doçura infinita”. Por que você acha isso?
Autenticidade. Autenticidade é tudo. Você gostaria de passar o dia com uma pessoa que passa o dia falando como você é fofa, uma boa garota? Ou prefere alguém que ocasionalmente bufa e resmunga?
No segundo caso, você sabe o que está acontecendo. É mais relaxante, você não fica tenso. É impossível saber quando a pessoa perfeita vai surtar. Autenticidade é o que queremos nas nossas amizades, então é o que queremos dos nossos pais.
Hoje muitos pais têm conflitos internos sobre o nível de honestidade ao falar sobre assuntos difíceis. Como devem falar sobre esse tipo de coisa com os filhos? Qual é a linguagem dessa honestidade?
Precisa ser apropriada para cada idade, certo? Não dá para dizer ao seu filho que você largou o pai dele porque o sexo era ruim. Não é o que queremos. Mas muita gente me pergunta quais são as palavras certas para falar de alguns assuntos. Como se existisse uma receita.
Você não vai me perguntar quais são as palavras certas para usar quando você toma café com um amigo. Porque você tem uma relação com essa pessoa.
Essa relação deve começar com os filhos desde quando eles são bebezinhos apontando para as coisas e falando “gaga”, “mama”. Passamos daí para palavras, para conversas e aí se cria o hábito de falar sobre assuntos. Você vai falar sobre suas impressões do mundo, seus medos, o que você gosta. É importante ouvir seu filho se você quer ser ouvido. Eles aprendem a ouvir porque você os ouviu.
Você menciona também no livro que pais veem seus filhos, desde a gestação, como objetos a serem aperfeiçoados, objetos nos quais se deve trabalhar.
Isso, como tarefas a serem feitas, ou esculturas. Não como pessoas.
Então essas pequenas coisas que visam a tornar o filho mais perfeito são importantes para os pais e não precisam ser evitadas?
É inofensivo tocar música clássica e compartilhar os próprios interesses com os filhos. É uma coisa boa.
Mas essa busca pela perfeição não impacta os filhos?
Não adianta tentar ser um pai ou mãe perfeito. Isso não existe. Você tem amigos ou alguém na sua vida que tenta ser a pessoa perfeita?
Com certeza, uns que seguem o manual à risca.
Dá um tempo, né? Se colocamos tanta expectativa numa relação, vamos nos decepcionar. Aceite as coisas como elas são. Isso faz muitos pais serem infelizes quando eles têm expectativas altas na criação dos filhos. Eu sempre digo: abaixe as expectativas. Mais baixo. Ainda mais baixo. Agora sim [ela segura a mão logo acima do chão].