Confesso que levei um susto quando Elvis Pereira, nosso dileto editor de Ciência, encaminhou-me um link meio esquisito nesta semana. O texto falava em “nova espécie humana com dentes e crânios gigantes”. Fuça que fuça, enfim inteirei-me da existência do nome científico Homo juluensis, recém-cunhado e empregado para designar fósseis do norte e do centro da China, com idade entre 200 mil anos e 105 mil anos atrás.
Seriam mesmo “gigantes”? Lamento desapontar os literalistas bíblicos, que talvez tenham ficado empolgados com a ideia. O tal gigantismo é bem relativo, conforme explicarei. E, seja lá qual for a natureza exata dos fósseis chineses, a mensagem que eles passam é estritamente darwinista: nunca houve uma única linhagem “predestinada” a dar origem aos gloriosos humanos modernos, mas sim uma diversidade de experimentos e adaptações que conviveram, misturaram-se e, em alguns casos, sumiram.
Mas tiremos de uma vez o elefante da sala. Os fósseis batizados como H. juluensis, analisados por Christopher Bae, da Universidade do Havaí, e Xiujie Wu, da Academia Chinesa de Ciências, são bastante fragmentados. Temos vários pedaços do crânio, da mandíbula e alguns dentes.
É pouco, mas é o suficiente para perceber que a dentição é grande, consideravelmente maior que a média da dos seres humanos atuais. E que o cérebro desses indivíduos também podia ser bem grande –em alguns casos, com 1.700-1.800 cm³, enquanto a média das pessoas de hoje é de 1.200 cm³. Impressiona, hein?
Ocorre, entretanto, que volume craniano e tamanho dentário avantajados não são incomuns para hominínios (ancestrais humanos) dessa época. É o caso dos já muito estudados neandertais, que também tinham cérebros com “volume nominal” bem superior ao nosso, que empatam ou ficam só um pouco atrás dos de exemplares de H. juluensis. E nunca houve nenhum “gigante” neandertal.
Bae e Wu apontam ainda que o H. juluensis é mais uma prova da diversidade morfológica e genética dos antigos humanos da Ásia durante as últimas centenas de milhares de anos do Pleistoceno (a Era do Gelo). No geral, é difícil discordar dessa afirmação, considerando que também havia neandertais asiáticos nessa época, assim como os misteriosos denisovanos (conhecidos apenas pelo DNA e por pedacinhos de ossos e dentes), sem falar em outra espécie proposta para a China, o H. longi, também dono de cérebro e dentes grandões.
Confuso? Bem, considerando a escassez de fósseis por enquanto, não se pode descartar a possibilidade de que o nome H. juluensis acabe “não pegando”. Mas o mais importante é levar em conta o fato de que os critérios usados para distinguir as espécies modernas talvez sejam imprecisos demais para essa fase da evolução humana.
De 200 mil anos atrás em diante, mais ou menos, o que vemos na Eurásia é a diversificação local de diversas linhagens de hominínios, que passavam por períodos de isolamento, mas também se reproduziam com outras, num “telefone sem fio” de genes que acabou desembocando também nos seres humanos modernos, ainda que em níveis baixos.
Esse processo culminou com uma ou mais ondas de H. sapiens vindos da África, que absorveram, em alguma medida, esses parentes arcaicos. Usar nomes científicos diferentes para cada um deles pode acabar não fazendo jus à complexidade e interconexão desse processo.
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