“Quando eu completei 42 anos, alguma coisa aconteceu. Fiquei louca, não me reconheci. E resolvi deixar tudo pra trás”.
Conheci Joanne, 55 anos, quando descobri seu brechó perto de casa outro dia.
Alta e longilínea, essa inglesa, loira-quase-ruiva de cachos incendiários, dificilmente passa despercebida.
Logo de cara, fui cativada por detalhes de fachada: a cara limpa, sapecada de sardas e vincos verticais em forma de parênteses, realçando a expressividade do sorriso; os gestos esvoaçantes, bailando junto com o mix de listras-xadrez-neon-flores de seu look. Ela toda evoca um pássaro numa Fashion Week. Impossível não notá-la.
Ainda mais no pueblo pitoresco em que moramos, à beira de uma praiazinha simpática no Mediterrâneo espanhol.
E ainda mais depois desse dia, que nos lançou num papo íntimo minutos depois de nos conhecer. Mulheres na menopausa, camaradas instantâneas:
– Menopausa, né, miiiga.
– Putz! Nem me fala. Como tem sido pra você?
“Eu trabalhava com moda, vivia no jet set em Londres, era uma loucura. Um dia, não sei bem quando, me notei diferente. Minha cabeça não funcionava bem, meu corpo começou a mudar, a pedir recolhimento. De repente, eu não encaixava mais com aquela vida.”
“Busquei médicos, especialistas em tudo o que você possa imaginar, e todo mundo me disse o mesmo: que eu estava estressada. Exagerando. Que era burnout. Ninguém nunca mencionou menopausa, muito menos perimenopausa.”
“Na minha busca, me mudei pra uma comunidade na Espanha. Mas, a certa altura, comecei a ter atritos com as pessoas, porque eu não era eu, basicamente. Estava irritável, insatisfeita, reativa, insuportável, cada dia diferente. Eu mesma me estranhava e não sabia como estar comigo naquele momento.”
“Cheguei a pensar que estava com depressão ou algum problema mental. Resolvi assumir que era um momento de transformação e escolhi me recolher. Encontrei uma casinha numa praia de pescadores, no topo de uma colina. Eu era a louca do pueblo – baixava à praia pra catar conchas, tomar banho de mar. Precisei desse tempo; tive a sorte de poder me dar esse tempo.”
“Passei também por uma época de provar de tudo sexualmente, numa urgência de experimentar, num medo louco de que ia acabar. Agora, levo cinco anos sem sexo. Estou voltando à ativa, pouco a pouco. Inclusive comigo mesma” – dá uma piscadinha.
Outra amiga que estava comigo, também inglesa y perimenopáusica, soltou um empático “oh dear, sinto muito por você ter sofrido tanto”.
– Thank you. É duro, mas por outro lado eu também me sinto livre, e isso é maravilhoso.
“Menopausa, pra mim, é transformação. E libertação: eu me libertei do olhar masculino, do olhar social, da validação externa, do papel da fêmea fértil. Dessa pressão de ser, de parecer, de estar. Isso criou muito espaço dentro de mim, e isso é ótimo.”
Comento que ainda me custa encontrar esse espaço, que ainda tô numas de mais meter coisas do que me livrar delas.
“Você vai ver. Eu te entendo. Também passei por isso” – e esse simples comentário de sororidade abriu um espacinho mais dentro de mim.
Há pouco mais de um ano, pintou um barco em sua vida. Um veleirinho onde ela atualmente mora, atracado no porto perto de casa. Como ela, conheci outras mulheres também camaradas de barco, climatério e atitude. Somos uma pequena tribo e nos encontramos periodicamente pra banhos de mar, principalmente no inverno.
Pergunto a Joanne* como se sente hoje em dia. Ela, rápida, joga os cabelos em fogo pra trás numa gargalhada:
– Menopausa é okay, mas é uma m***. Minha cabeça.. Minha cabeça não funciona!!
*nome fictício, embora ela nem tenha me pedido pra trocar. Podia ser Maria, Ana, Joana…
Tem uma história climatérica pra contar? Como você vive ou viveu esse período de transformação? Me conta: falaperitalks@gmail.com
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