Aproveitando a tecnologia desenvolvida para seus aceleradores de partículas, uma unidade do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas, no interior de São Paulo, está trabalhando em um projeto à primeira vista inusitado: criar um aparelho de ressonância magnética totalmente nacional. As imagens geradas pelo primeiro protótipo podem ficar prontas até o final deste ano.
O objetivo final é que o trabalho não só viabilize a fabricação desses complexos aparelhos médicos pela indústria nacional como possa derrubar os preços e permitir sua disseminação pelo território nacional –hoje uma realidade distante.
“Há um déficit brutal de aparelhos do tipo no Brasil, levantamentos mostram que em média um cidadão que precisa de um exame desses precisa viajar 230 km para achar um”, diz James Francisco Citadini, diretor-adjunto de tecnologia do CNPEM. “E isso na média. Muitos precisam viajar muito mais, a maioria desses dispositivos está concentrada no eixo Rio-São Paulo.”
Claro, o CNPEM, organização social ligada ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e voltada principalmente à pesquisa básica, não pretende entrar ele mesmo no ramo da saúde –mas sim potencializar a indústria e o desenvolvimento brasileiros ao casar suas próprias capacidades tecnológicas com as demandas que o país tem.
“Nós pensamos aqui, o que existe de necessidade a ser preenchida, quais oportunidades existem que se encaixam nas tecnologias que desenvolvemos aqui?”, diz Citadini. “E um aparelho de ressonância magnética se encaixa bem nesse contexto. Além de utilizar tecnologias semelhantes às demandadas para construir um acelerador de partículas, também apresenta grandes desafios tecnológicos e de acessibilidade a serem superados.”
Importantíssimas na medicina, as imagens de ressonância magnética são produzidas por equipamentos com formato tubular, em torno do qual há bobinas por onde circula uma alta corrente elétrica –ou seja, um fluxo intenso de elétrons. Esse, por sua vez, induz à formação de um campo magnético, como um ímã muito poderoso, que induz os átomos de hidrogênio do objeto a ser observado (em geral o corpo humano) a sofrerem um realinhamento específico.
Em seguida, o equipamento dispara pulsos de ondas eletromagnéticas (em essência rádio) que incidem sobre o objeto a ser observado (em geral o corpo humano). Os átomos realinhados absorverão e reemitirão essa energia, de novo na forma de radiação eletromagnética, que será detectada e processada por computador para a formação de uma imagem, capaz de revelar detalhes do interior do objeto analisado.
Já um laboratório de luz síncrotron, como o Sirius, desenvolvido e gerido pelo CNPEM, também trabalha com um fluxo de elétrons guiados e acelerados por campos magnéticos e ondas de radiofrequência, nesse caso até velocidades relativísticas (em um gigantesco anel de meio quilômetro), o que resulta na emissão de fótons (partículas de luz), em particular os de alta energia, usados para sondar a estrutura microscópica de objetos e realizar muitos tipos de estudo, das mais variadas áreas.
Os paralelos tecnológicos são notáveis, embora a natureza dos projetos seja bem diferente: no caso do Sirius, uma grande estrutura dedicada à pesquisa básica. No caso de um aparelho de ressonância magnética, um dispositivo que se possa comportar em salas hospitalares para aplicação médica. A ideia do CNPEM, para esse segundo caso, não é levar o projeto até a disponibilidade comercial, muito menos atender pacientes –mas viabilizar que isso aconteça por meio de parceiros na indústria.
O MODELO NACIONAL
Neste momento, a equipe está desenvolvendo um protótipo limitado, capaz de produzir imagens de pequenas amostras –algo como uma pedrinha, mas não um pequeno animal ou mesmo um membro do corpo humano. Esses primeiros experimentos, que já estão inteiramente financiados, devem ser conduzidos até o final deste ano, como prova de princípio da tecnologia.
“Para uma segunda etapa, capaz de visualizar um pequeno animal ou membros, se garantirmos os recursos, podemos chegar lá ao final de 2025, talvez antes”, diz Citadini. “Para um corpo inteiro, com a mesma tecnologia, cerca de mais dois anos, fim de 2027. E, se optarmos pela resolução necessária para aplicações médicas avançadas, indo para uma tecnologia de magnetos supercondutores, seriam mais três ou quatro anos, 2028-2029. Tudo depende muito da disponibilidade de recursos também.”
A necessidade existe. Embora os aparelhos de ressonância magnética estejam hoje disponíveis nos maiores hospitais e centros urbanos do país, há uma carência grande em nível nacional. Além disso, as empresas fabricantes no mundo todo se contam nos dedos, o que torna esse mercado uma espécie de oligopólio, em que os aparelhos custam bem mais do que poderiam, em média cerca de US$ 1 milhão cada.
O plano do CNPEM é desenvolver a tecnologia nacionalmente e incluir inovação com enfoque na demanda médica nacional, como um sistema de refrigeração que dispensa o hélio líquido –componente que encarece os atuais aparelhos. Uma vez concluída a concepção, o projeto será patenteado e então licenciado, para que a indústria possa assumir a fabricação em série. “Não vamos simplesmente transferir para uma única empresa, porque aí ela pode ser simplesmente engolida por outra maior, e voltamos ao mesmo problema”, diz Citadini.
Da bancada do laboratório ao hospital ainda há um longo percurso que, mesmo sem sobressaltos, consumirá vários anos. Mas é assim que funciona o desenvolvimento tecnológico, e daí que vem a necessidade de investimento constante e com visão de longo prazo, para que projetos como esse possam impactar positivamente na sociedade. Tudo começa com pesquisadores encantados, diante de um público intrigado, com as perspectivas geradas por um insondável acelerador de partículas.
O jornalista visitou a escola a convite do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais).