Uma nova promessa de riqueza e mudança de vida trazida pela indústria do gás fóssil chega ao Maranhão, desta vez embalada por um termo em inglês. É o “fracking”, como é conhecida a técnica de fraturamento de rochas subterrâneas para extração do combustível.
A população local, de maneira geral, desconhece o assunto, mas organizações civis ambientais têm se mobilizado, em encontros públicos e audiências, para traduzir os riscos que este tipo de operação pode trazer ao meio ambiente e para quem vive nas áreas onde o fracking já é realidade.
Na prática, é um “garimpo” do gás. A exploração do combustível fóssil feita por meio de fraturamento hidráulico acontece em profundidades de até 3 km do solo. Por meio de sondas usadas para perfurar a terra e as rochas, tubulações atravessam os lençóis freáticos, até alcançarem uma camada de pedra conhecida como folhelho, ou xisto argiloso. Entre as fontes oficiais, o nome preferido é o de “gás não convencional”.
Com a tubulação instalada neste poço, são injetados cerca de 800 tipos de produtos químicos misturados com água e areia. Dentro da terra, sob extrema pressão, esse “fluído de fraturamento” explode as pedras, fazendo com que o gás impregnado nelas seja liberado por fraturas e, então, levado até a superfície.
Os riscos ao meio ambiente são conhecidos, com desastres ambientais que envolvem desde a contaminação de água, ar e solo até ocorrências de abalos sísmicos. Esse tipo de situação já foi verificada, por exemplo, em Vaca Muerta, uma formação de xisto localizada na província de Neuquén, na Argentina, dona de uma das maiores reservas de petróleo e gás não convencional do mundo.
No Brasil, Santa Catarina e Paraná têm leis estaduais que impedem esse tipo de exploração em seus territórios. No Maranhão, porém, a situação é oposta.
A Folha questionou o governador Carlos Brandão (PSB) sobre o assunto. Por meio de nota, o governador deixou claro seu apoio ao fraturamento hidráulico e declarou que “a Companhia Maranhense de Gás (Gasmar) é favorável à exploração de gás por fracking, em razão de dados científicos que demonstram o equívoco de considerar esse método como de alto risco ambiental”.
Segundo o governo maranhense, o fraturamento hidráulico é uma “boa oportunidade de negócios para o Brasil, como já ocorre em outros países”.
A Eneva, empresa que explora gás no Maranhão, por sua vez, afirmou à reportagem que “não pratica a atividade nem planeja realizar”.
Para João Octávio, membro da coordenação da campanha ambientalista Boas Energias: Maranhão Sem Fracking, o método é “predatório” e “privilegia apenas o interesse econômico, sem retorno social”.
“Precisamos de aprimoramento da legislação e postura de precaução. Não temos de correr atrás do leite derramado. Temos que evitar que aconteçam desastres ambientais”, diz.
A postura favorável do governo maranhense está alinhada com a do MME (Ministério de Minas e Energia). À Folha, o ministério comandado por Alexandre Silveira declarou que já passou da hora de avançar com o “fracking” no Brasil, principalmente nos poços que já foram explorados de forma convencional.
O governo federal afirmou que o método é usado há mais de 70 anos em países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Argentina. “O MME entende que, a exemplo dos EUA, que encontrou no fraturamento hidráulico a fórmula para fazer ressurgir a produção de gás natural em reservatórios já depletados (esgotados), o Brasil pode dar nova vida a reservas que diminuíram as produções de petróleo e gás”, declarou a pasta.
Em 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro, foi anunciado o edital para viabilizar o projeto Poço Transparente, que prevê testes para exploração de “fracking” no Brasil. O governo Lula mantém o plano ativo. O edital é válido até 31 de dezembro de 2024.
Seja por meio da renovação deste edital ou anúncio de uma iniciativa, o governo Lula quer levar o “fracking” adiante.
“Essa é uma das ações para viabilizar o uso de recursos não convencionais em exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil. Os trabalhos têm sido conduzidos pelo MME e Ministério da Economia, no âmbito do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), com a participação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)”, disse a pasta.
Os planos do governo não miram apenas o Maranhão, mas também a Bacia do Recôncavo, na Bahia, que já chegou a produzir 6,6 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia e que, atualmente, está em torno de 2,5 milhões de metros cúbicos diários.
“A expectativa é de que a exploração [por ‘fracking’] dessa bacia por 50 anos, com média de 31 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, possa gerar R$ 566 milhões por ano em royalties”, afirmou o MME.
O ministério também mencionou a Bacia do Parecis, em Mato Grosso, que teria potencial para produzir 2,294 trilhões de metros cúbicos de gás, “podendo arrecadar R$ 2,3 bilhões por ano apenas em royalties” com o “fracking”.
Na defesa do gás de xisto, o ministro Alexandre Silveira recorre ao argumento de que é preciso avaliar benefícios como a “geração de empregos, o aumento da arrecadação de royalties e o fortalecimento da competitividade do Brasil no mercado energético global”.