Eu sei que é estranhíssimo que uma pessoa de 45 anos pare de ler e assistir às notícias sobre o golpe de Estado que boçais fascistas tentaram dar no país e resolva ver uma série adolescente chamada “Heartstopper“, mas já eram duas da manhã e eu precisava de algo leve que me ajudasse a dormir.
Então comecei a acompanhar a história de um menino gay extremamente doce que se apaixona pelo típico hétero capitão do time de rugby da escola. Não demora a dar tudo certo, pois o bonitão é bissexual —além de ser o cara mais legal do mundo— e retribui o flerte. A relação começa com trocas de olhares, diálogos e mensagens tão fofas e românticas que eu logo temi que um deles morresse tragicamente nos próximos episódios. Atropelado, assassinado, viciado em crack ou de um câncer fatal?
Mas nada disso acontece. Juntos, descobrem a força inabalável da amizade (eu escrevi “força inabalável da amizade”?), a saudade enlouquecedora das paixões (alguém me salva!), o sexo com consentimento e carinho, o despertar do amor (sim, a série vai te deixar menos cínico a ponto de cometer essas frases), e vivem o período mais intenso e bonito de suas vidas.
O menino gay extremamente doce tem uma família legal, professores incríveis e os melhores amigos do mundo: um asiático viciado em filmes cabeçudos, um assexual obsessivo por livros, uma artista plástica talentosa que é trans e preta e um casal formado por uma garota negra e lésbica que acabou de sair do armário e uma jovem prestes a descobrir que é não binária.
E todos nessa série encantadora, inclusiva, progressista e delicada se cuidam, se ajudam e se amam tanto que voltei a me perguntar em que momento, por fim, brigariam, se odiariam ou alguém morreria atropelado, assassinado, viciado em crack ou de um câncer fatal.
Mas nada disso acontece. Juntos, formam uma espécie de núcleo imbatível contra o bullying, o preconceito, o assédio e a parentalidade tóxica. E porque estão sempre juntos e atentos uns aos outros, vencem também fobias sociais, crises de pânico e distúrbios alimentares.
Eu achei que fosse capotar e dormir por cem anos enquanto os adolescentes desse idílico e irreal mundo seguiriam dançando e se beijando, mas o efeito foi oposto: não consegui sossegar até maratonar as três temporadas, desejando que todos os adolescentes do Brasil possam assistir a essa série.
Este foi mais um ano com imagens de guerras, catástrofes climáticas, violência policial, jovens pretos assassinados, áudios de golpe, suicídios em escolas e a volta do Trump ao poder. Por mais protegido que um adolescente seja, ele vê e sabe e vive tudo isso.
Senti vergonha todas as vezes que me emocionei vendo a série. Tenho 45 anos! Mas que se dane. No primeiro “eu te amo” dos meninos eu quase morri de tanto chorar. Quando se assumem como um casal na frente da escola inteira, precisei usar meu spray nasal com corticoide tópico para dormir. No beijo das meninas, com as cores do arco-íris inundando a tela, chorei de lavar a alma. Curei umas trinta idades dentro de mim. É preciso, desesperadamente, ver beleza. Encontrar a beleza. Somos todos adolescentes desesperados para sentir felicidade de novo. Veja “Heartstopper” com os seus filhos.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.