A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 164/2012, que propõe o fim do aborto legal no Brasil, voltou à discussão na última quarta-feira (20), com a aprovação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. A proposta tem gerado repercussão, com posicionamentos favoráveis e contrários por parte de entidades.
Enquanto conservadores têm chamado o texto de PEC da Vida, progressistas o leem como o fim do aborto legal.
“Não cabe em nossa legislação um suposto direito ao aborto”, afirma Lenise Garcia, presidente nacional do Brasil Sem Aborto. Ela diz que o direito à vida já está garantido na Constituição.
Garcia defende, no entanto, que exceções à punibilidade, como previstas no Código Penal, possam ser consideradas. “Embora eu tenha clareza de que o aborto nunca é a melhor solução para a mulher.”
A proposta, de autoria de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, alteraria o artigo 5º da Constituição, que diz respeito à inviolabilidade do direito à vida. No texto de Cunha, de 2012, esse direito estaria garantido “desde a concepção”. Se promulgada, a PEC atingirá mesmo os casos hoje já previstos em lei.
Organizações não governamentais (ONGs) contrárias ao aborto, como o Brasil Sem Aborto, Casa Mãe Oásis da Imaculada, Casa Pró-Vida Mãe Imaculada e Casa Filhos da Luz, comemoraram a aprovação da PEC, considerando-a um avanço na defesa da vida.
“Somos totalmente a favor da vida desde a concepção, segundo nos ensina a doutrina espírita”, diz posicionamento da Casa Filhos da Luz. Nas redes sociais, a Casa Pró-Vida Mãe Imaculada afirma que a aprovação da PEC representa um passo importante, sendo uma “vitória à vida”.
O texto impediria a interrupção da gravidez em qualquer circunstância: nos casos em que a gestação resulta de estupro, quando há risco para a vida da mulher e nos casos de anencefalia fetal, em que o feto apresenta graves malformações cerebrais, situações essas que atualmente autorizam o aborto legal no país.
Por outro lado, movimentos em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres também se manifestaram. O Fórum Direitos Reprodutivos e Democracia, em declaração enviada à Comissão de Constituição e Justiça, alerta que a proposta representa um retrocesso nos direitos das mulheres. A organização destaca os impactos negativos na saúde, especialmente das mulheres negras, e nos avanços científicos, comparando a PEC a legislações restritivas de países como Haiti e Nicarágua.
O Fórum também critica o cenário político atual do Brasil, citando a corrosão dos princípios democráticos, com o uso da religião para fins políticos e o enfraquecimento da laicidade do Estado. “Consideramos particularmente grave o cenário político atual, cujo tecido democrático vem sendo debilitado pelo ódio, pelo aniquilamento moral do adversário, e pelo uso sistemático da religião para defender interesses político-partidários”, afirmam.
O Instituto Liberta, organização dedicada ao combate à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil considera a proposta cruel e desumana.
A organização destacou dados sobre a violência sexual no país. “Meninas negras são as mais vulneráveis —em 2023, elas representaram 51,9% das vítimas de estupro menores de 14 anos”, afirmou o Instituto. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada 12 minutos uma criança de até 13 anos é estuprada, totalizando 62% dos casos registrados em 2023.
O instituto argumenta que a gravidez precoce, uma consequência frequente desses abusos, leva muitas meninas a abandonar a escola, perpetuando o ciclo de pobreza e violência, e resultando em elevados custos sociais e econômicos para o país.
Rebeca Mendes, fundadora e diretora do Projeto Vivas, que auxilia mulheres no acesso ao aborto legal, diz que a proposta afetaria principalmente meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, além de impactar aquelas que recorrem à fertilização in vitro ou à pesquisa com células-tronco.
“Trata-se de algo inconstitucional e que aproxima o Brasil dos estados teocráticos que existem pelo mundo. O Brasil está a um passo de se tornar uma distopia representada no livro ‘O Conto da Aia'”, critica.
Entenda os próximos estágios da PEC
A PEC foi aprovada na CCJ com 35 votos favoráveis e 15 contrários. A partir de agora, a proposta seguirá para uma comissão especial, onde será debatida e poderá ser alterada antes de ser levada ao plenário da Câmara para a votação final. A PEC tem gerado discussões sobre os impactos na saúde das mulheres e no direito de escolha sobre a gravidez.
O próximo passo é a análise pela comissão especial, que ainda precisa ser criada, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda não anunciou uma data para isso. Se a PEC passar pela comissão, ela será submetida à votação no plenário da Câmara, onde precisa de 308 votos favoráveis para avançar.
Em seguida, a proposta será analisada no Senado, onde passará por um processo semelhante. Se aprovada, poderá ser promulgada como lei. Caso haja modificações, a proposta retornará à Câmara para nova deliberação. Se aprovada, a PEC proibirá o aborto em todas as situações previstas atualmente por lei.
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