A semana do feriado de ação de graças é enforcada nas universidades estadunidenses, então escapei para ver minha família, que se mudou para a Região dos Lagos no Rio de Janeiro durante a pandemia e por lá ficou. Numa das lagoas da área, perto de casa, minha filha começou a praticar remo, e como eu estava excepcionalmente à toa e precisando de exercício, fui junto aprender algo de novo.
A folga não durou muito: foi só sentar na canoa que a neurocientista de plantão assumiu o controle do remo.
Era uma canoa polinésia, dupla, de 12 assentos. O capitão nos puxou de lado, a mim e Bruno, meu amigo físico/ex-pós-doc/colaborador científico/quase-irmão que veio nos visitar assim que soube que eu estava na área, e nos deu a preleção histórica e operacional da coisa. Bizu mais importante: não se rema com os braços, mas com as costas. Já gostei do cara.
Os outros oito ocupantes já eram escolados, então o capitão os colocou na frente da canoa. Os dois remadores na proa ditam o ritmo; os do meio seguem e provêm a maior parte da força motriz da canoa, e um deles periodicamente dá o sinal, com o remo n’água, para que após a próxima remada todos mudem o remo de lado, e sem perder o ritmo. Os da popa –nós, sob os olhos atentos do capitão– tentam acompanhar sem atrapalhar.
Foram 90 minutos de aprendizado intenso por pura repetição, com pausas para descanso e pequenas variações educacionais que fizeram o deleite da neurocientista de plantão.
Para começar, a atividade exige introspecção física e autoanálise. Não remar usando os braços e sim as costas (e o abdômen) exige prestar muita atenção enquanto se tenta algo ligeiramente diferente a cada remada, até o cérebro encontrar a maneira de usar os braços apenas para entrar com o remo n’água; depois disso, é o torso que puxa tudo para trás, enquanto o ombro da frente afunda o remo.
No começo, as mãos escorregam, os dedos batem na borda da canoa, a perna do lado do remo se esquece de ir para a frente. Trocar o remo de mão custa uma sequência de pequenos movimentos desnecessários. São pequenos detalhes que deixam a execução irregular.
Mas a gente tem um cerebelo cujos circuitos são craques justamente em implementar as variações que limpam os movimentos, tornando-os fluidos e naturais. Logo o exercício vira diversão, cada remada mais uma oportunidade para o cérebro se descobrir fazendo direito, e cada vez melhor, aquilo que é novo –o que a neurociência descobriu recentemente que é, afinal, também função do cerebelo: é dele que vem o comando para liberar a dopamina que dá a sensação de prazer.
E então sobra banda mental para apreciar o outro componente crucial do remo de equipe, que é a sincronização. Como o cérebro representa do lado de dentro os movimentos que vê do lado de fora, e começa a fazer junto na mente, seguindo o ritmo imposto externamente, remar no ritmo da equipe se torna fácil conforme o cerebelo limpa as trapalhadas que atrasavam os movimentos –sobretudo porque o movimento da água empurrada pelos remadores à frente ajuda, e já leva o remo consigo assim que ele toca a superfície. Dada a tendência natural do cérebro à imitação, a imersão de vários em um meio condutor compartilhado torna fácil sincronizar suas ações. O difícil não é seguir a manada: é não se deixar entrar nela.
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