O governo Lula anunciou nesta quinta-feira (28) os detalhes do prometido pacote de corte de gastos. As estimativas preliminares do Ministério da Fazenda são de que as medidas anunciadas vão proporcionar economia de R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026. No acumulado de 2025 a 2030, calcula a pasta, o valor poupado chegará a R$ 327 bilhões.
Os valores não impressionaram especialistas em contas públicas nem o mercado. Em meio à dúvidas sobre a viabilidade dessas cifras e a “surpresa” da isenção de R$ 5 mil no Imposto de Renda – que virá acompanhada de taxação de contribuintes mais ricos –, o dólar voltou a subir e chegou a bater em R$ 6 e perto das 17h subia 0,9%, cotado a R$ 5,99. E a B3 teve mais um dia de perdas, registrando queda de 1,8% por volta de 16h45.
Em entrevista coletiva, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dário Durigan, citou que os dois “pilares” apresentados – a “moderação das despesas”, que a equipe econômica batizou de “Brasil Eficiente”, e a reforma da renda, ou “Brasil Justo” – serão tratados em dois tempos.
Primeiro, as despesas, cujas medidas normativas precisam ser aprovadas ainda neste ano, segundo ele, para que se colham os resultados da moderação do crescimento das despesas já em 2025. Em um segundo momento, seria tratada a reforma da renda.
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Confira a seguir, ponto a ponto, as medidas de contenção de gastos e outras anunciadas pelo governo federal.
Nova isenção de Imposto de Renda e taxação dos mais ricos
O governo anunciou a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que significa uma renúncia de R$ 35 bilhões em arrecadação, segundo a Fazenda.
O benefício, porém, não alcançará todos os contribuintes. Até chegará, de forma reduzida, àqueles com renda entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil. Para quem ganha mais do que isso, valerá uma outra tabela de alíquotas, em que a faixa isenta será de apenas dois salários mínimos. Esse desenho serve, basicamente, para limitar o impacto do benefício sobre as contas públicas.
Para compensar a queda de arrecadação com a nova faixa de isenção, o governo vai adotar medidas para assegurar que os contribuintes mais ricos – com rendimentos a partir de R$ 50 mil mensais, ou R$ 600 mil anuais – paguem determinadas alíquotas efetivas de Imposto de Renda.
As alíquotas efetivas serão progressivas e a maior delas, de 10%, será cobrada daqueles que ganhem mais de R$ 1 milhão ao ano. O que será cobrado é um complemento em relação ao imposto que o contribuinte pagou. Por exemplo: se no ano anterior ele recolheu IR equivalente a 7% de seus ganhos, terá de complementar com 3%.
Um ponto relevante é que entrarão nessa conta todos os rendimentos do contribuinte, inclusive dividendos de empresas, que desde 1995 são isentos de IR.
Com o governo criticado por misturar pacote de gastos com as mudanças na tributação da renda, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscou ressaltar que a reforma do IR terá efeito neutro sobre as contas públicas: não vai aumentar nem reduzir a arrecadação, segundo ele.
Nova regra para o salário mínimo
O pacote anunciado pelo governo assegura aumento real (acima da inflação) do salário mínimo, mas esse ganho passará a ter limites. Hoje o aumento real corresponde ao PIB de dois anos antes, o que tem permitido reajustes de 3% ou mais acima da inflação. Com a nova regra, o reajuste real ficará limitado a algo entre 0,6% e 2,5%, mesmos porcentuais aplicados ao total de gastos regidos pelo arcabouço fiscal.
Segundo o ministro Fernando Haddad, com isso será mantida a capacidade discricionária do governo, abrindo espaço para investimentos, mas assegurando aumento real do mínimo. “Se o PIB tiver um crescimento muito grande, o reajuste vai ser limitado a 2,5% dando conforto à peça orçamentária, com previsibilidade”, afirmou o ministro. diz. “Por outro lado, numa recessão, o salário mínimo terá a trava de subir pelo menos em 0,6%.”
Segundo a Fazenda, a medida representará uma economia de R$ 2,2 bilhões em 2025 e R$ 9,7 bilhões em 2026.
Restrição no acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC)
A ideia do governo é focalizar o benefício em pessoas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho, com vedação de dedução de renda não prevista em lei. O BPC é pago a pessoas a partir de 65 anos ou com deficiência, com renda abaixo de um quarto do salário mínimo – ou, em casos excepcionais, abaixo de meio salário mínimo.
Passam a contar para acesso: renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes. Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício.
O governo vai promover a atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID). A biometria será obrigatória para novos benefícios e atualizações cadastrais.
O ministro da Fazenda afirmou que a concessão do BPC explodiu em 2024, fruto de decisões judiciais, extrapolando em R$ 7 bilhões a previsão do Orçamento. “Há uma indústria de liminares concedidas”, afirmou. “Benefícios sendo concedidos sem clareza. Atestados sem perícia, uma série de problemas. Queremos estabelecer critérios legais pra dar segurança de que o benefício vai chegar a quem tem direito constitucional.”
As medidas anunciadas para o BPC vão representar economia de R$ 2 bilhões tanto em 2025 quanto em 2026, segundo o governo.
Contenção de gastos no Bolsa Família
O pacote de corte de gastos trouxe medidas de contenção para o Bolsa Família, especialmente no que diz respeito aos beneficiários unipessoais. Trata-se das pessoas que moram sozinhas e que, portanto, são responsáveis por uma “família unipessoal” – que é como o programa as designa.
As novas regras do corte de gastos preveem que a inscrição ou atualização de unipessoais no programa deve ser feito na própria residência do beneficiário, a fim de evitar fraudes. Além disso, haverá restrições para os municípios cuja folha de pagamento do programa tenham mais de 16% de famílias unipessoais.
Em junho deste ano, essa regra havia sido flexibilizada. Na ocasião, o Ministério do Desenvolvimento Social permitiu que tivessem direito ao benefício, mesmo ultrapassando o limite municipal, famílias unipessoais que demonstrassem risco de insegurança alimentar (comprovado em seu cadastro); situação de violação de direitos; ou que fossem entrevistadas em seu domicílio, para cadastro ou atualização. Esse acesso não será mais permitido.
Além dessa nova regra para os unipessoais, o pacote do corte de gastos ainda prevê que seja feita atualização obrigatória de cadastros desatualizados há 24 meses, assim como o uso de biometria para inscrição e atualização cadastral.
Durante a entrevista coletiva, Haddad afirmou “que é muito claro para nós que nós vamos ter que passar a limpo num prazo menor do que o anunciado em julho [deste ano] o conjunto de medidas saneadoras dos cadastros dos grandes programas sociais”.
O governo espera poupar, com essas iniciativas, R$ 2 bilhões em 2025 e R$ 3 bilhões em 2026.
Mudança tímida no abono salarial
Hoje o abono – espécie de “14.º salário” dos trabalhadores do setor privado regidos pela CLT – é pago a quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824). Esse público será reduzido aos poucos até chegar a 1,5 salário mínimo em 2035.
Segundo o governo, com a aprovação do pacote poderão receber o abono os que ganham até R$ 2.640 por mês. O valor será corrigido anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) até chegar a 1,5 salário mínimo.
O impacto fiscal dessa redução gradual será quase imperceptível para as contas públicas, começando em apenas R$ 100 milhões em 2025 e R$ 600 milhões em 2026.
Mudança na proteção social dos militares
Haddad agradeceu ao acordo feito “de último hora” com as Forças Armadas. Segundo ele, foi um pedido pessoal do presidente Lula ao Ministro da Defesa, José Múcio, para que dessem “uma cota de contribuição importante” para o ajuste.
O impacto fiscal das medidas anunciadas nessa área, porém, será discreto: apenas R$ 1 bilhão por ano, em todos os anos de 2025 a 2030. Hoje o saldo negativo entre contribuições e despesas do sistema de proteção social das Forças Armadas é de aproximadamente R$ 50 bilhões por ano.
O pacote de contenção de gastos fixa idade mínima de 55 anos para que o militar passe à reserva remunerada. Para isso, será criada uma regra de transição progressiva. Hoje o único critério para isso é o tempo de serviço de pelo menos 35 anos, sem exigência de idade mínima.
Também será extinta a transferência de pensão. Assim, quando um beneficiário de primeira ordem – viúva ou filho, por exemplo – parar de receber a pensão, não será mais possível transferi-la a um beneficiário de segunda ordem.
Um dos pontos destacados por Haddad é o fim da “morte ficta”, situação em que familiares recebem pensão de um militar expulso por crime ou infração grave, como se ele tivesse morrido. O ministro a considerou “um resquício do passado que precisa ser superado”.
Por fim, a proposta fixa em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026.
Combate a supersalários
Haddad confirmou o compromisso do governo para a aprovação da lei que trata dos “supersalários” do funcionalismo público, já aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado. A ideia é garantir que todos os agentes públicos estejam sujeitos ao teto constitucional, atualmente em R$ 44.008,52 mensais.
“Eu e a ministra [Simone] Tebet [do Planejamento] falamos que tínhamos que começar a reforma administrativa pela questão dos supersalários que era o que mais chamava atenção da opinião pública” afirmou o ministro. Será enviada ao Congresso uma lei complementar para regular o dispositivo constitucional que rege os supersalários e dar segurança jurídica “de que a mudança vai ser pra valer”.
Nas últimas semanas o governo chegou a endossar estimativas de que a medida possa gerar uma economia de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano. No entanto, o cálculo do Movimento Livres questiona esse potencial de economia. Segundo o think tank, a proposta permite que 32 “penduricalhos” continuem sendo pagos aos servidores sem que sejam submetidos ao teto constitucional.
E a tabela de estimativas preliminares enviada nesta quinta à imprensa nem sequer menciona o valor esperado com a limitação aos supersalários.
Limite às emendas parlamentares
O Congresso Nacional também entrou na mira do corte de gastos. Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, afirmou que o Projeto de Lei Complementar 210/2024, sancionado pelo presidente Lula na terça-feira (26) é um avanço para que as emendas estejam vinculadas à lógica de crescimento da despesa, ao invés da arrecadação.
A nova lei, que se encontra sob análise do STF, limita o aumento das emendas impositivas, de pagamento obrigatório, ao arcabouço fiscal. Anteriormente, o valor destinado às emendas era equivalente a 3% da Receita Corrente Líquida da União do ano anterior.
Além disso, também estão previstos veto ao aumento de emendas não impositivas e destinação de 50% do valor das emendas de comissão para a área da saúde, assim como bloqueios a esses recursos, que sejam proporcionais aos realizados nas despesas do Poder Executivo.
No caso das emendas, o bloqueio fica limitado a 15% de seu valor total – em 2025, os recursos que podem ser bloqueados chegam a R$ 7,5 bilhões. De acordo com as projeções do Ministério da Fazenda, com as novas regras, o aumento dos gastos com emendas parlamentares, será reduzido de cerca de R$ 120 bilhões, para algo em torno de R$ 70 bilhões em 2030.
A economia de recursos é calculada em R$ 6,7 bilhões em 2025 e R$ 7,7 bilhões em 2026.
Gatilhos para conter benefícios tributários e gastos com pessoal
Durante o detalhamento do corte de gastos, Durigan afirmou que o governo foi conservador ao fazer suas contas e projeções, mas que, caso os resultados da moderação das despesas não cheguem ao ritmo esperado, já há gatilhos programados “que vão servir como garantia de cumprimento das metas”.
Segundo os cálculos do governo, a estimativa é de uma redução de gastos de cerca de R$ 70 bilhões em 2025 e 2026. No entanto, se em 2026 for averiguado que houve déficit primário no ano anterior, a proposta é que sejam deflagradas medidas adicionais de moderação, mirando os benefícios tributários e o uso de créditos junto à Receita Federal.
Da mesma forma, em 2027, ao olhar para o resultado de 2026, caso se verifique um achatamento da despesa discricionária, está previsto o acionamento de outras ações para além da redução de benefícios fiscais, como o estabelecimento de um limite para o crescimento com as despesas de pessoal.
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Outras medidas
Biometria: A estimativa de economia com a adoção da biometria nos cadastros do Bolsa Família e BPC é de R$ 2,5 bilhões por ano.
Educação em tempo integral: Até 20% da complementação da União ao Fundeb poderá ser empregada em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública. O governo calcula poupar R$ 4,8 bilhões em 2025 e R$ 5,5 bilhões em 2026 com a medida.
Lei Aldir Blanc: Repasse anual de até R$ 3 bilhões aos entes continua, mas condicionado à execução dos recursos pelos entes no ano anterior. A economia prevista com a medida é de R$ 2 bilhões em 2025 e R$ 1 bilhão em 2026.
Concursos públicos: “Faseamento” de provimentos e concursos em 2025. A projeção é de R$ 1 bilhão de economia por ano.
Subsídios e subvenções: Autorização para ajuste orçamentário em cerca de R$ 1,8 bilhão em subsídios e subvenções em 2025. Em 2026, o valor estimado é de R$ 1,9 bilhão.
Fundo Constitucional do Distrito Federal: Submete variação de recursos do Fundo ao IPCA. A economia prevista é de R$ 800 milhões em 2025 e R$ 1,5 bilhão em 2026.
Desvinculação de Receitas da União (DRU): Será prorrogada até 2032, o que pelas contas do governo representará uma contenção de gastos de R$ 3,6 bilhões em 2025 e R$ 3,8 bilhões em 2026.
Criação de despesa: Deve observar a variação da despesa anualizada limitada ao crescimento permitido pelo arcabouço
Dever de execução: Revoga dever de execução do orçamento.
Novo Vale Gás e Pé-de-Meia: Como medida de transparência, os gastos com os dois programas – antes correndo em uma espécie de “orçamento paralelo” – serão inseridos no Orçamento e, portanto, estarão sujeitos ao arcabouço fiscal.