A Austrália aprovou nesta quinta-feira (28) a proibição do uso de redes sociais por menores de 16 anos, após um debate que tomou conta do país. A aprovação estabeleceu uma referência para outras regiões no mundo ao ser uma das regulamentações mais rígidas já aprovadas contra as grandes de empresas de tecnologia.
A lei obriga as plataformas de mídia social, desde o Instagram até o TikTok, a impedirem que menores de idade façam login em seus serviços sob pena de multas de até 49,5 milhões de dólares australianos (R$ 192,43 milhões). Um teste de métodos para aplicar a lei começará em janeiro e a proibição entrará em vigor em um ano.
O projeto de lei de idade mínima para mídias sociais coloca a Austrália como um caso de teste para um número crescente de governos que legislaram ou disseram que planejam aprovar uma restrição de idade para mídias sociais em meio à preocupação com o impacto na saúde mental dos jovens.
Países como França e alguns estados dos EUA aprovaram leis para restringir o acesso de menores de idade a redes sociais sem a permissão dos pais, mas a proibição australiana é absoluta. Uma proibição total para menores de 14 anos na Flórida (EUA) está sendo contestada no tribunal com base na liberdade de expressão. No Brasil, o estado de São Paulo proibiu recentemente o uso de celulares em escolas por alunos.
A aprovação da lei, após uma maratona no último dia do ano parlamentar australiano, marca uma vitória política para o primeiro-ministro de centro-esquerda, Anthony Albanese, que tem estado em baixa em pesquisas de opinião. A proibição enfrentou a oposição de defensores da privacidade e de alguns grupos de defesa dos direitos das crianças, mas 77% da população a desejava, de acordo com as últimas pesquisas.
Tendo como pano de fundo uma investigação parlamentar que ouviu depoimentos de pais de crianças que se automutilaram devido a provocações feitas por meio de redes sociais, a imprensa australiana liderada pela News Corp, de Rupert Murdoch, apoiou a proibição.
No entanto, a proibição pode prejudicar o relacionamento da Austrália com o principal aliado, os EUA, onde o proprietário da rede social X (antigo Twitter), Elon Musk, tornou-se um dos principais conselheiros do presidente eleito, Donald Trump, e disse neste mês que o banimento parece ser uma “maneira de controlar o acesso à internet por todos os australianos”.
A medida também se baseia em um clima de antagonismo existente entre a Austrália e os gigantes da tecnologia dos EUA. O país da Oceania foi o primeiro a fazer com que as plataformas de mídia social pagassem royalties aos veículos locais de mídia e agora planeja ameaçá-los com multas por não conseguirem eliminar os golpes disseminados por suas plataformas.
Um porta-voz da Meta, controladora do Facebook, afirmou que a empresa respeita a lei australiana, mas está “preocupada” com o processo, que “apressou a aprovação da legislação sem considerar adequadamente as evidências, o que o setor já faz para garantir experiências adequadas à idade e as vozes dos jovens”.
As empresas de mídia social —incluindo o YouTube, que está isento por ser amplamente utilizada em escolas da Austrália— argumentaram que a legislação deveria ser adiada até depois dos testes de verificação de idade.
“É a carroça na frente dos bois”, afirmou Sunita Bose, diretora administrativa do Digital Industry Group, que tem como membros a maioria das empresas de mídia social.
“Temos o projeto de lei, mas não temos orientação do governo australiano sobre quais são os métodos corretos que toda uma série de serviços sujeitos a essa lei precisará empregar”, acrescentou Bose.
NAÇÃO DIVIDIDA
Alguns grupos de defesa dos jovens e acadêmicos advertiram que a proibição poderá excluir os jovens mais vulneráveis, inclusive os adolescentes LGBTQIA e migrantes, das redes de apoio. A Comissão Australiana de Direitos Humanos disse que a lei pode infringir os direitos humanos dos jovens ao interferir em sua capacidade de participar da sociedade.
Os defensores da privacidade, por sua vez, alertaram que a lei pode levar a uma maior coleta de dados pessoais, abrindo caminho para a vigilância estatal baseada na identificação digital. Uma alteração de última hora no projeto de lei especificou que as plataformas devem oferecer uma alternativa para que os usuários façam o upload de documentos de identificação.
“Isso é uma tentativa dos ‘boomers’ de dizer aos jovens como a internet deve funcionar para se sentirem melhor”, disse Sarah Hanson-Young, senadora do partido de esquerda Greens, em uma sessão tardia do Senado, pouco antes de o projeto de lei ser aprovado por 34 votos a favor e 19 contra.
Mas os grupos de pais pressionaram por uma intervenção, aproveitando os comentários do cirurgião geral dos EUA Vivek Murthy, que em 2023 disse que a mídia social estava piorando a crise de saúde mental dos jovens a ponto de ser necessário um alerta de saúde.
“Colocar um limite de idade e devolver o controle aos pais é um ponto de partida”, disse o defensor australiano da luta contra o bullying, Ali Halkic, cujo filho Allem, de 17 anos, cometeu suicídio em 2009.
Enie Lam, estudante de uma escola de Sydney que recentemente completou 16 anos, disse que a mídia social contribuiu para problemas de imagem corporal e bullying, mas uma proibição total pode levar os jovens a partes menos visíveis e mais perigosas da Internet.
“Isso só criará uma geração de jovens que será mais esperta em contornar essas barreiras”, afirmou à Reuters. “Isso não surtirá os efeitos desejados.”
“Todos sabemos que as mídias sociais não são boas para nós, mas a proibição das mídias sociais geralmente é criticada por muitos jovens.”