Dois endereços ligados a uma das maiores empresas de suplementos alimentares do país, o Grupo Soldiers, tiveram cerca de 30 toneladas de creatina apreendidas durante operação da Polícia Civil de São Paulo no início deste mês. Os policiais investigam suposta adulteração nos produtos, comercializados em grandes sites como Mercado Livre.
Na ação, foram lacrados um centro de distribuição de produtos, na zona leste da capital paulista, e uma unidade de manipulação e envasamento de creatina em Jundiaí, no interior do estado, ambos por falta de licenças adequadas para funcionamento. Os locais foram interditados pela Vigilância Sanitária.
O primeiro seria um galpão destinado a depósito de móveis, mas vinha sendo usado na estocagem dos alimentos. No segundo, os responsáveis não tinham licença sanitária para fabricação de suplementos e o endereço não constava nos rótulos da marca, informação obrigatória.
Por meio de nota, a Soldiers criticou a abertura da investigação que, segundo ela, ocorreu sem uma justificativa plausível. Afirmou, ainda, que os locais lacrados eram de prestadores de serviço e que o grupo tem compromisso com qualidade que vai além do exigido por lei.
A Soldiers pertence aos empresários Yuri Silveira de Abreu e Fabiula de Arruda Freire, que se autodenominam “rei” e “rainha” da creatina. O faturamento do grupo para este ano é estimado de R$ 250 milhões. A polícia investiga falsidade ideológica e crime contra as relações de consumo.
A creatina produzida por esse grupo está na lista de produtos aprovados pela Abenutri (Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais), conforme relação divulgada em outubro.
A investigação conduzida pela 3ª Delegacia de Investigações Gerais do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), especializada por fraudes financeiras e econômicas, seria um desdobramento de operação desencadeada neste ano contra venda de produtos com prazo de validade vencido.
De acordo com documentos aos quais a Folha teve acesso, a apuração teve início em setembro, quando os policiais foram até um estande de vendas da marca, no shopping Anália Franco, na zona leste, e detectaram inconsistências em dados dos recibos de produtos comercializados.
Em outubro, com autorização judicial, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao grupo. Na ocasião, foram a apreendidos documentos, telefones e notebook, cujo conteúdo levou a polícia a suspeitar de possíveis problemas na qualidade do material vendido.
Nos celulares, os policiais detectaram conversas em que funcionários da empresa relatavam reclamações feitas por clientes, como a suposta localização de larvas, fios de cabelo, pedaços de luvas e bexigas plásticas.
Nos relatórios da polícia há um destaque à suposta precariedade das técnicas utilizadas pela empresa para dissolver creatina que teria empedrado. Há vídeo compartilhado em um dos grupos de mensagens sobre essas técnicas, realizada por dois funcionários.
“A creatina está sendo manipulada de forma alarmante: contida em uma caixa plástica sobre o chão e quebrada com martelos e chaves metálicas improvisadas. Esse processo expõe a matéria-prima a uma série de riscos graves de contaminação física e química, comprometendo a segurança do produto”, diz o documento.
Foi nesse material apreendido que foram encontrados outros endereços ligados ao grupo mas que, conforme a polícia, não eram declarados oficialmente pela empresa, a exemplo dos endereços lacrados no início deste mês. Seria, assim, uma “rede clandestina” de prestadores de serviço.
A polícia afirma em seus relatórios que a falta de dados precisos nos rótulos, como o local de fabricação, contraria o Código do Consumidor e pode dificultar a adoção de medidas eficazes por parte dos órgãos de saúde e vigilância sanitária, em casos emergenciais.
“A embalagem indica um único fabricante e distribuidor, mas lotes idênticos foram produzidos em locais, dias e horários diferentes”, diz trecho de relatório.
O suposto problema de rastreabilidade foi informado pela polícia a grandes vendedores da marca, como o Mercado Livre. Procurado, o site de vendas informou ter recebido o ofício da polícia e apura o caso.
“Conforme preveem os Termos e Condições de Uso, é proibida a venda de produtos em desacordo com a legislação em vigor. Caso identificado um anúncio irregular, tal anúncio é excluído e o vendedor é penalizado”, diz nota.
Empresa diz não haver indícios de irregularidade
Em nota, a Soldiers diz que a apuração da polícia é baseada em outro inquérito no qual a própria Justiça informa que ela não figura como “investigada, declarante, vítima ou parte”. “Sobre o procedimento investigatório em curso, até o momento não foi apontado nenhum indício de irregularidade por parte da Soldiers, tratando-se de uma investigação vaga sem objeto definido”, diz.
“Importante ressaltar que a representação policial informou possível prática de crimes ‘que possam causar danos à saúde pública’, porém, nenhum suplemento foi apreendido na fábrica da Soldiers. Vale salientar que todos os itens foram colocados à disposição das autoridades para serem periciados, o que, certamente, irão atestar a qualidade dos produtos fabricados pela empresa.”
Sobre os dois endereços interditados pela Vigilância Sanitária, a empresa afirma tratar-se de terceiros “sem participação societária ou ingerência da Soldiers”. “São prestadores de serviços eventuais que sempre acreditamos na idoneidade. Diante do ocorrido, estamos tomando todas as providências cabíveis”, sem detalhar quais seriam tais medidas.
A nota também afirma ainda que a fábrica da Soldiers foi “vistoriada recentemente pela Vigilância Sanitária e continua operando normalmente”.
A Folha questionou a empresa sobre as supostas reclamações feitas por clientes e as críticas da polícia quanto a forma de manipulação da creatina, mas a empresa não se manifestou.