Podemos finalmente entender o que está acontecendo dentro de Urano e Netuno, e a resposta é bastante surpreendente: cada um deles pode conter um oceano de água.
“Não sabíamos nada antes” sobre o interior desses planetas, segundo o cientista espacial e planetário Adam Masters, do Imperial College London. “Então, essa hipótese é muito convincente.”
A ideia sobre os dois planetas gigantes de gelo foi proposta pelo cientista planetário Burkhard Militzer, da Universidade da Califórnia, Berkeley, e foi publicada na última segunda-feira (25) na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Isso poderia explicar os estranhos campos magnéticos de ambos os mundos, que são diferentes de qualquer outro no Sistema Solar.
O campo magnético da Terra é gerado em seu núcleo, produzindo um polo norte e um polo sul claros conhecidos como um dipolo que se alinha aproximadamente com o eixo do planeta. “É como se houvesse um grande ímã de barra dentro do planeta”, disse Heidi Hammel, astrônoma e cientista planetária da Associação de Universidades para Pesquisa em Astronomia. “Isso é verdade para Júpiter, Saturno, Terra e algumas das luas de Júpiter também.”
Quando a sonda Voyager 2, da Nasa, passou por Urano em 1986, no entanto, descobriu algo incomum. “O campo magnético estava enormemente inclinado e deslocado do centro do planeta”, afirmou a astrônoma.
Inicialmente, os cientistas pensaram que o campo desordenado poderia ser explicado por um impacto gigante no início da vida de Urano, que inclinara o planeta. Mas então a sonda passou por Netuno três anos depois e “seu campo magnético também estava significativamente inclinado”, de acordo com Hammel.
A proposta de Militzer visa resolver esse debate. Ela se baseia na simulação do movimento de 500 átomos para modelar o interior dos dois gigantes de gelo e sugere que há uma camada de água com cerca de 8.000 quilômetros de espessura dentro dos dois planetas, situada sob suas atmosferas externas.
“Achamos que é um oceano”, disse Militzer. “Há hidrogênio misturado com ele, e tem uma alta condutividade que é importante para o campo magnético.”
No entanto, esse oceano teria uma pressão 60 mil vezes maior do que a da superfície da Terra, então se comportaria mais como um fluido supercrítico —uma combinação de gás e líquido— do que como a água na Terra.
Essa água seria separada, como óleo e água, de uma camada rica em carbono abaixo que divide o oceano do núcleo de cada planeta. No caso de Urano, o núcleo tem o tamanho de Mercúrio, e o de Netuno é ligeiramente maior, mais do tamanho de Marte.
Anteriormente, os cientistas pensavam que o interior dos dois planetas estaria mais misturado. “A novidade é que a água se separa do carbono”, disse Militzer. Normalmente, ele acrescentou, quando você coloca hidrogênio por cima, a camada de água se dissolve. Porém, os gigantes de gelo podem ter se formado com menos hidrogênio do que Júpiter e Saturno por causa de sua maior distância do Sol.
A camada de água, e não os núcleos planetários, seria então responsável por produzir os campos magnéticos desordenados dos dois planetas.
A ideia de Militzer poderia explicar uma diferença fundamental entre Júpiter e Saturno, que são compostos principalmente de hidrogênio, e Urano e Netuno. “O primeiro passo para entender nosso Sistema Solar é a diferença entre os gigantes gasosos e os planetas terrestres, e depois os planetas de hidrogênio e os gigantes de gelo”, disse Fran Bagenal, professora de astrofísica e ciência planetária na Universidade do Colorado, Boulder, e membro da equipe científica da Voyager.
A descoberta também poderia contribuir para a elaboração de um retorno a Urano na próxima década pela Nasa. Uma sonda espacial em órbita poderia transportar instrumentos para medir a estrutura interna e o campo magnético do planeta que seriam capazes de investigar a presença dessa camada de água.
“É apenas mais um motivo para voltar”, disse Bagenal.