Este conteúdo é sobre um fato que ainda está sendo apurado pela redação. Logo teremos mais informações.
A Polícia Federal concluiu que o ex-presidente Jair Bolsonaro “planejou, dirigiu e executou” atos para abolir o Estado Democrático de Direito e consumar um golpe de Estado. A tentativa de se manter no poder após a derrota eleitoral em 2022, conforme a PF, só não se concretizou “por circunstâncias alheias a sua vontade”, principalmente pela oposição do então comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior; do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes; e da maioria do Alto Comando do Exército.
A conclusão está no relatório final (íntegra) da investigação sobre a suposta tentativa de golpe de Estado, divulgada nesta terça (26) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O material, entregue ao ministro Alexandre de Moraes na semana passada, já foi encaminhado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, a quem cabe formular uma denúncia sobre o caso. Bolsonaro e mais 36 pessoas, incluindo militares e ex-integrantes de seu governo, foram indiciados pelos crimes de organização criminosa, golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
A defesa de Bolsonaro ainda não havia se manifestado sobre as conclusões do relatório até a última atualização desta reportagem. Nas últimas semanas, em declarações e postagens nas redes, o ex-presidente tem repetido que nunca deu início a qualquer ato concreto para depor Lula.
No documento, de 884 páginas, a PF diz que as provas reunidas no inquérito demonstram que Bolsonaro “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito”. Afirma que, desde 2019, o ex-presidente disseminou “a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do país”.
Segundo a PF, havia dois objetivos na “narrativa” contra as urnas: “primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022”.
O relatório diz que Bolsonaro esteve envolvido nos principais fatos, revelados ao longo dos últimos meses, para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O primeiro é a reunião, ocorrida em 5 de julho de 2022, em que o então presidente juntou ministros do governo – Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), e o Secretário-geral da Presidência em exercício, Mario Fernandes – para que promovessem e difundissem “desinformações” sobre as urnas.
O relatório destaca várias declarações de Bolsonaro aos auxiliares. “As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE”, disse Bolsonaro na reunião, insinuando fraude na apuração do Tribunal Superior Eleitoral. “Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar”, disse ainda. “Os cara tão preparando tudo, pô! Pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e porquê […] Não tem como esse cara ganhar a eleição no voto. Não tem como ganhar no voto”, afirmou.
A PF também destaca que, após a derrota para Lula, Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, teriam autorizado a apresentação, no TSE, de uma representação para contestar o resultado do segundo turno. O pedido de verificação foi negado de forma sumária por Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, e o PL multado em R$ 22,9 milhões.
Segundo a PF, Bolsonaro também teria autorizado a pressão sobre o então comandante do Exército, Freire Gomes, para aderir à suposta tentativa de golpe, por meio da “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. O general disse em depoimento que o objetivo era mesmo convencê-lo a participar da ruptura. Nesse documento, publicado em 28 de novembro de 2022, havia um apelo para que os “Poderes e instituições da União assumam os seus papéis constitucionais”, insinuando que o Exército teria papel na “pacificação política, econômica e social, especialmente para a manutenção da Garantia da Lei e da Ordem”.
Em 26 de novembro, durante a elaboração da carta, o tenente-coronel do Exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros perguntou ao então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, se “01 sabe disso?”. Cid respondeu: “sabe”. Em depoimento, Cavaliere disse que se referia a Bolsonaro saber sobre a carta.
No relatório, a PF ainda acusa Bolsonaro de participar da elaboração da minuta para decretar um estado de defesa no TSE para revisar a apuração dos votos. “Na concepção dos integrantes da organização criminosa, a assinatura deste decreto presidencial serviria como base legal e fundamento jurídico para o golpe de Estado”, diz a PF.
Em sua delação premiada, Mauro Cid contou que Bolsonaro recebeu o documento do então ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins e do advogado Amauri Saad. A versão inicial previa a prisão de Moraes, do ministro Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. No dia 7 de dezembro, o ex-presidente teria apresentado a minuta aos comandantes das Forças Armadas.
Diante da recusa de Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica), Bolsonaro teria então se reunido, em 9 de dezembro, com o general Estavam Theóphilo, comandante do Coter (Comando de Operações Terrestres), que segundo a PF, aceitou executar as ações a cargo do Exército.
Bolsonaro, ainda segundo a PF, era informado sobre os atos para consumar o golpe. Dá como exemplo o plano conhecido como “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a prisão ou execução de Alexandre de Moraes, bem como o assassinato de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin. A PF destaca o fato de o general Mario Fernandes, que liderava a iniciativa, ter imprimido o documento no Palácio do Planalto no dia 9 de novembro de 2022 e depois dirigir-se ao Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, onde se encontrava Bolsonaro.
Quase um mês depois, em 6 de dezembro, Mario Fernandes imprimiu novamente o documento no Palácio do Planalto em horário em que Bolsonaro estava na sede da Presidência. “Após saírem da Sede do Poder Executivo Federal, Mario Fernandes encaminhou mensagem para Mauro Cid evidenciando o ajuste de ações”, relata a PF.
No dia seguinte, Mario Fernandes enviou a Mauro Cid áudio com a seguinte fala: “Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas. A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo”. No dia 12, Lula foi diplomado presidente no TSE e o dia 31 era o último de Bolsonaro no cargo.
A PF conseguiu provar, por meio da recuperação de um grupo de mensagens, chamado “Copa 2022”, no aplicativo Signal, que um grupo de seis militares seguiu Alexandre de Moraes em Brasília, em 15 de dezembro, para prendê-lo ou mata-lo. Nesse mesmo dia, era esperado que Bolsonaro decretasse o estado de defesa no TSE para realizar uma nova eleição presidencial.
“De acordo com os elementos de prova colhidos, o golpe de Estado seria consumado no dia 15 de dezembro de 2022. Nesta data, uma equipe de militares Forças Especiais executaria a ordem de prisão/execução do ministro Alexandre De Moraes. No dia 16 de dezembro de 2022, após a consumação da ruptura institucional, seria criado o Gabinete Institucional de Gestão de Crise, formado em quase a totalidade por militares, sob comando dos Generais Heleno e Braga Netto, havendo poucos civis, dentre eles Filipe Martins”, diz a PF.
A PF relata que, em 15 de dezembro, em reunião com Bolsonaro, somente o comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, aderiram plano de golpe, mas ficaram contra o chefe do Exército, Freire Gomes, e o da Aeronáutica, Baptista Júnior. “Assim, a operação Copa 2022, na data de 15 de dezembro de 2022, enquanto já estava em andamento teve que ser abortada.”
Mais informações em breve.