A cada R$ 10 gastos pelos estados brasileiros com as forças de segurança em 2023, aproximadamente R$ 6 foram destinados às PMs, R$ 2,29 ficam com as polícias civis e R$ 0,28, com as polícias técnico-científicas. O restante das verbas, equivalente a R$ 1,43, é usado para despesas compartilhadas, e não é possível saber qual corporação recebe o recurso.
Em números absolutos, as unidades da federação mandaram 59,5% de R$ 78,9 bilhões para as polícias militares. Os valores incluem investimentos e salários dos agentes da ativa, mas excluem gastos com aposentados e pensionistas.
A escolha favorece o policiamento ostensivo e ações de confronto e rebaixa recursos para investigação e a produção de provas, diz o estudo responsável pelo levantamento. Chamado “Funil de investimento da segurança pública e sistema prisional em 2023”, ele foi feito pelo Justa, organização que atua no campo da economia política da Justiça.
O levantamento foi feito com dados de 22 unidades da federação, que juntas tem um orçamento total de R$ 1,1 bilhão —Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima não forneceram dados.
No país com uma das maiores populações prisionais do planeta, os estados analisados gastaram no ano passado R$ 98,6 bilhões com as polícias (R$ 78,9 bi) e o sistema penitenciário (R$ 19,8 bilhões).
Já o valor gasto com egressos da prisão é bem menor, R$ 16 milhões, o equivalente a 0,02% da soma do restante dos gastos. Apenas seis unidades das federações têm orçamento dedicado a políticas para esse grupo, com ações que incluem apoio psicológico, assistência social, capacitação profissional e educação, entre outros.
O estudo é mais uma evidência de que o Brasil prende muito e mal, segundo a diretora-executiva do Justa, Luciana Zaffalon. “A gente está mostrando o quanto o orçamento é uma peça fundamental nessa formulação. Os investimentos são direcionados para manutenção dessa lógica sem sentido. O orçamento não só explícita, mas sustenta essa irracionalidade.”
A maior parte do valor para egressos, R$ 12 milhões, é de São Paulo, que possui cerca de 200 mil presos. Isso representa 0,004% do orçamento total do estado no ano passado, de R$ 310,8 bilhões.
Esses valores mostram que a cada R$ 1 dedicado a egressos no estado, R$ 1.344 são gastos com polícias e R$ 413 destinados ao sistema prisional.
Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), o orçamento para o tema é baseado no número médio de pessoas que buscam apoio do Programa de Atenção ao Egresso e Família, principal iniciativa do governo paulista na área.
“Ainda nesta gestão, houve aumento de 295% no número de egressos empregados em comparação com o total registrado entre 2021 e 2022. Foram 265 empregados até o momento e 67 egressos inseridos no mercado de trabalho entre 2021 e 2022.”
Dos R$ 15,6 bilhões destinados às corporações em 2023 no estado, R$ 10,5 bi foram para a PM, R$ 4,3 bi para a Polícia Civil e R$ 721 milhões para a Polícia Técnico-Científica, com outros R$ 128 milhões em despesas compartilhadas. Segundo números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado tinha, em 2023, 80.037 policiais militares, incluindo bombeiros, na ativa. Já os civis somavam 21.089 agentes.
A soma supera o orçamento para o ano passado de áreas como administração (R$ 6,4 bi), ciência e tecnologia (R$ 2,1 bi) e habitação (R$ 1,3 bi).
A gestão Tarcísio afirmou, por meio da Secretaria da Segurança Pública, que aumentou em 45% o orçamento da Polícia Civil nos últimos dois anos, e que mais R$ 43 milhões do Fundo de Incentivo à Segurança Pública foram destinados à corporação no mesmo período. O governo cita, com o montante de R$ 11 bilhões investidos em 2023 e 2024, a modernização e reforma de 37 unidades, a aquisição de 381 veículos para a frota e 7.500 novas armas para os agentes.
Citou também a inclusão de 3.172 policiais civis e médicos legistas nas forças de segurança e a formação de 305 delegados —já distribuídos no estado— em 7 de novembro.
A pasta cita a queda de latrocínios no estado, com a menor marca em 24 anos para o número de casos e de ocorrências, e o aumento de inquéritos e prisões por mandado, “que totalizaram 69.440 capturas, representando um crescimento de 11% em relação a 2022.”
O modelo de alto investimento na segurança ostensiva não parece solucionar problemas cotidianos, segundo Zaffalon, do Justa. “E aí a gente vai investir mais em polícia do que investe em assistência social, educação, trabalho e emprego? Não parece que a conta feche.”
Para a especialista, o dinheiro é direcionado ao aprisionamento de baixa qualidade, sem investigação e produção de provas com qualidade, com base quase exclusivamente no trabalho ostensivo, que sobrecarrega, inclusive, os policiais militares. Quem sobrevive às violações, diz ela, fica sem apoio. “E se eu deixei a prisão hoje, como é que eu me recoloco? Como é que eu me recoloco em termos educacionais e profissionais? Eu acho que o orçamento nos responde essa questão.”
A unidade da federação líder em proporção de investimentos nas polícias em relação ao orçamento é o Rio de Janeiro, com 10,6% do montante de 2023 distribuídos entre a PM (R$ 7,9 bi) e a Polícia Civil (R$ 2,1 bi). Os orçamentos, somados, superaram os R$ 9,9 bilhões da educação no estado no ano passado.
Já o investimento destinado ao sistema prisional, que tem 47,3 mil presos em celas físicas, fora outras modalidades de pena, foi de R$ 1,3 bilhão. Não houve recurso listado em plano plurianual de investimentos ou lei orçamentária de 2023 para egressos. Procurado sobre outras ações, o governo Cláudio Castro (PL) não respondeu até a publicação deste texto.
Estado com a segunda maior população de presos e com um sistema que recebeu R$ 2,6 bilhões, Minas Gerais não tem investimentos exclusivos para egressos listados no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) de Minas Gerais ou na Lei Orçamentária Anual para 2023.
Procurada, a gestão Romeu Zema (Novo) citou o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), de 2003, que faz acompanhamento para facilitar o acesso a benefícios sociais e direitos previstos na Lei de Execução Penal. O programa recebeu R$ 6,5 milhões em 2023 e fez 22.968 atendimentos.
O estado também afirmou que fortalece o trabalho da polícia investigativa “com estratégias vinculadas à melhor utilização dos recursos disponíveis à organização – humanos, tecnológicos e financeiros.”