O acordo de US$ 300 bilhões para que países ricos ajudem nações mais pobres, alcançado na COP29, cúpula climática da ONU (Organização das Nações Unidas), na madrugada do domingo (24), na hora local, só foi possível através de esforços diplomáticos frenéticos, incluindo uma reunião de alto nível em uma sala VIP do estádio de Baku, no Azerbaijão, que aconteceu na noite anterior ao fim das negociações.
A reunião de autoridades de nações ricas e em desenvolvimento contou com a presença da ministra do meio ambiente da Colômbia, Susana Muhamad; Ali Mohamed, do Quênia; a secretária Ana Toni, do Ministério do Meio Ambiente do Brasil; Ed Miliband, do Reino Unido; e Jennifer Morgan, da Alemanha, segundo fontes com conhecimento do encontro de sexta-feira (23).
O encontro ocorreu enquanto os países reunidos para COP29 permaneciam em um impasse sobre o tamanho e o formato de um acordo histórico para fornecer dinheiro a países em desenvolvimento afetados pelos piores efeitos da mudança climática.
Mas também aconteceu em meio a outra batalha: pela inclusão de uma referência explícita aos próximos passos na transição dos combustíveis fósseis —acordada na cúpula do clima da ONU do ano passado, a COP28, em Dubai—, de modo que esse compromisso fosse fortalecido.
Essa medida foi bloqueada pela Arábia Saudita e pela Rússia, e só recebeu uma referência indireta no resultado final, mantendo o status quo.
No entanto, as nações dependentes de combustíveis fósseis falharam em sua tentativa de incluir uma referência a “combustíveis de transição” —como grandes produtores de petróleo chamam o gás natural— quando esse item da agenda geral foi adiado após objeções de uma aliança de nações da América Latina e Caribe, Suíça, Maldivas, Fiji, Canadá e Austrália.
O grupo de autoridades que se reuniu nos bastidores acabou forçando um acordo financeiro com que poucos países estavam satisfeitos, mas que muitos temiam que seria ainda mais difícil de garantir com Donald Trump na Casa Branca e as principais economias ocidentais sob pressão.
O documento encerrou duas semanas de intensa diplomacia entre negociadores ocidentais e autoridades chinesas em uma tentativa bem-sucedida de conseguir que Pequim contribuísse voluntariamente.
Os ministros buscaram um compromisso para garantir que as nações mais pobres pudessem acessar dinheiro suficiente para lidar com as mudanças climáticas, mas que também fosse aceitável para os eleitores em países mais ricos preocupados com a inflação e orçamentos apertados.
Quase 200 países aceitaram a proposta para que as nações ricas liderassem a provisão de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 para as nações em desenvolvimento. Ficou bem aquém dos US$ 500 bilhões que os países do G77 disseram precisar, mas foi uma melhoria em relação à oferta inicial de US$ 250 bilhões.
Às 3h do domingo, horário de Baku, a Índia era a única resistência, segundo duas delegações. O país estava preocupado tanto com a quantia quanto com questões sobre como o financiamento seria contabilizado.
“Todos estavam tentando ligar para [Narendra] Modi [primeiro-ministro indiano], mas ele não atendia o telefone”, disse um negociador. A União Europeia esteve entre aqueles que tiveram “contato de alto nível” com Déli tarde da noite de sábado, confirmou um funcionário do bloco.
Após a presidência da COP29 rapidamente aprovar o acordo, houve revolta da Índia. “Isso foi manipulado”, disse a negociadora indiana Chandni Raina. “Não podemos aceitar isso.” A objeção, seguida por uma série de outras nações em desenvolvimento, foi registrada.
As negociações quase tinham colapsado anteriormente, após um grupo de cerca de 80 países vulneráveis às mudanças climáticas abandonar uma reunião crítica. A plenária final foi suspensa várias vezes para permitir conversas informais entre os países, com ministros e chefes de delegações reunidos em grupos na enorme sala de reuniões, examinando possíveis compromissos.
As novas propostas incluíam um aspecto-chave das conversas das autoridades na noite de sexta-feira: um plano para preencher a lacuna entre o valor mais baixo que os países ricos estavam dispostos a oferecer e o US$ 1,3 trilhão que economistas dizem ser necessário em financiamento climático internacional para o mundo em desenvolvimento.
A cargo da chamada de “rota de Baku a Belém para o 1,3 trilhão”, as equipes do Azerbaijão e do Brasil, que lideram a COP29 e a COP30, respectivamente, tinham a tarefa de encontrar maneiras de aumentar o financiamento.
Havia também uma promessa de revisar a meta novamente em cinco anos, uma menção especial às necessidades das ilhas de baixa altitude (mais ameaçadas pelo aumento do nível do mar devido ao aquecimento global) e dos países mais pobres, além de uma concessão de que o valor deveria ser especificado como “pelo menos” US$ 300 bilhões.
Segundo autoridades europeias, ajustar esse valor pela inflação —que poderia cortar mais de US$ 30 bilhões do total— ajudou a angariar apoio dos ministérios das finanças de nações desenvolvidas.
Ralph Regenvanu, enviado climático de Vanuatu, refletiu a visão das pequenas nações insulares de que o compromisso final era “insuficiente”.
“Com base em nossa experiência com tais promessas, sabemos que não serão cumpridas”, disse ele, referindo-se à meta de financiamento anterior, de US$ 100 bilhões, que foi estabelecida há mais de uma década e alcançada com dois anos de atraso.
Mas Ryan Neelam, diretor do programa de opinião pública e política externa do think tank Lowy Institute, disse que as nações em desenvolvimento sabiam que a “direção política de muitos [países ocidentais] não estava a seu favor”.
Se não conseguissem garantir um acordo, seria “provavelmente uma discussão mais difícil nas futuras COPs sobre financiamento”, disse ele.
O acordo final depende apenas parcialmente de financiamento baseado em subsídios de nações mais ricas, mas também de uma longa lista de outros financiamentos “inovadores”.
Isso significava que instrumentos de “primeira perda” (em que instituições financeiras públicas arcam com as primeiras perdas de um investimento para atrair interesse do setor privado) aparecem ao lado de propostas para garantias, financiamento em moeda local e instrumentos de risco cambial, além de possíveis taxas como impostos sobre transporte marítimo ou aéreo, a serem discutidas.
Essa gama de opções reconhece a “mudança sistêmica” necessária no sistema financeiro para pagar pelas mudanças climáticas, disse Rob Moore, ex-negociador de financiamento climático do Reino Unido, agora no think tank E3G.
Nas horas finais da COP29, a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, prometeu que a cúpula do próximo ano na cidade de Belém, na bacia amazônica, reconstruirá a confiança entre os países.
O comissário de clima da União Europeia, Wopke Hoekstra, disse ao Financial Times que espera que a diplomacia global permaneça desafiadora, mas que o avanço na COP29 deve “mover o ponteiro” para a próxima cúpula.
“Estamos vivendo tempos excepcionalmente difíceis como comunidade global. Uma vitória nesta COP é essencialmente uma vitória para a geopolítica.”