Em sua decisão de mandar ajustar a cobrança pelos serviços funerários em São Paulo, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino disse que há práticas mercantis adotadas pelas empresas e fortes indícios de violações à “dignidade da pessoa”.
Pela liminar, as quatro concessionárias que dividem a administração dos 22 cemitérios da capital, além do crematório da Vila Alpina, na zona leste, devem cobrar tendo como parâmetro os valores máximos praticados antes da privatização.
“Com isso, objetiva-se evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação em desfavor das famílias paulistanas, em face de um serviço público aparentemente em desacordo com direitos fundamentais e com valores morais básicos”, escreveu o ministro.
A privatização dos cemitérios teve início em março de 2023, sob a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Os valores praticados em março de 2023 devem, então, ser atualizados pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) até este domingo (24), data da decisão de Dino. O índice entre março de 2023 e outubro deste ano é de 3,7%
Pelo acordo, as empresas Cortel, Velar, Maya e Consolare pagaram R$ 7,2 bilhões à prefeitura para administrar as unidades pelos próximos 25 anos. As concessionárias vão pagar R$ 646 milhões em outorgas e também repassar 4% de suas receitas aos cofres municipais.
Ainda não há uma previsão de quando os preços serão reajustados para se adequar à determinação do STF. As tabelas disponibilizadas pelas empresas não traziam os ajustes do valores até a tarde desta segunda (25).
A Folha procurou as quatro empresas nesta segunda. Em linhas gerais, Consolare, Cortel, Grupo Maya e Velar dizem que não foram notificadas e que seguem as regras do contrato estabelecido com a prefeitura.
“A companhia reafirma que cumpre rigorosamente o caderno do edital de concessão”, diz a Consolare.
A Cortel afirmou que, por não ser parte do processo, não pretende comentar o caso. “O grupo aguarda, inclusive, ser notificado desta decisão pela Prefeitura de São Paulo.”
“O Grupo Maya ainda não foi notificado sobre a decisão do STF, mas reforça que segue todas as regras do contrato estabelecido em 2023”, disse a empresa.
A Velar, por sua vez, diz que não foi citada na decisão e no momento acompanha os desdobramentos desta ação.
Na decisão, o ministro responsabiliza a gestão Nunes para que a liminar seja colocada em prática.
“Caberá à Administração Municipal as providências que considerar cabíveis para o cumprimento da liminar, mantendo, ou não, os contratos de concessão, e em que termos”, escreveu Dino.
A prefeitura, em nota, afirmou que a medida é fruto de uso político. Nunes disse na manhã desta segunda que deverá recorrer da decisão.
“A prefeitura lamenta o uso político por partidos (Partido Comunista do Brasil) que tentam provocar um retrocesso numa concessão que tem beneficiado diretamente a população, especialmente as famílias mais vulneráveis”, diz a nota da gestão Nunes. A decisão de Dino foi feita em uma ação do PCdoB.
A reportagem procurou a gestão Nunes nesta segunda, mas não recebeu nenhuma atualização do caso até a publicação deste texto.
Dino, agora ministro do STF, foi filiado ao PCdoB de 2006 a 2021.
O partido ingressou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) contestando a gestão privada de cemitérios e crematórios e solicitando que o município reassuma os serviços.
A legenda afirma haver “graves lesões ao preceito fundamental da dignidade da pessoa humana”.
O caso ainda será debatido pelo plenário virtual do STF, em sessão até o próximo dia 13.
Até agora, Dino se manifestou apenas sobre a cobrança dos valores praticados pelas empresas, enquanto a análise da privatização ficará para o julgamento de mérito pelo Plenário do Supremo.