Os usuários de cigarros eletrônicos manifestam altas incidências de problemas de saúde mental, são mais jovens e apresentam sinais de dependência mais cedo do que os fumantes tradicionais.
A conclusão é de uma pesquisa divulgada pelo InCor (Instituto do Coração) nesta segunda (25) a partir da análise da saliva de 417 fumantes exclusivos de cigarro eletrônico no estado de São Paulo. Dos entrevistados, 75% relataram sofrer de ansiedade e 30% de depressão.
Para Jaqueline Scholz, cardiologista, diretora do Núcleo de Tabagismo de InCor e autora do estudo, o cigarro eletrônico pode ser usado tanto como um atalho para tentar aliviar questões de saúde mental preexistentes como ser o causador e intensificador dos sintomas, gerando assim uma espécie de bola de neve com altos níveis de dependência.
“Existe na literatura uma associação entre tabagismo e saúde mental. O que estamos identificando ainda é quem vem primeiro. Chama atenção também a precocidade, já que mais da metade dos usuários [do dispositivos, ouvidos na pesquisa] tem menos de 25 anos”, acrescenta.
“É uma alta prevalência. É como se fosse usado como um ‘remédio’ de alta concentração de nicotina. Vira a causa e também é o efeito.”
Isso porque os compostos tóxicos nocivos dos cigarros eletrônicos, assim como do cigarro, têm um efeito curto, de até 2 horas no organismo. É o caso da nicotina, que libera dopamina, responsável por provocar euforia, e a serotonina, responsável pela sensação de felicidade.
A pesquisa ainda encontrou a presença de substâncias como material particulado fino nos cigarros eletrônicos, material que provoca disfunções cardíacas e também pulmonares nos dependentes.
Segundo o estudo, 68% já buscou ajuda para parar de usar o produto, embora cerca de 40% tenha começado a fumar há menos de um ano. “É uma dependência intensa, elevada e rápida e insuportável”, diz Scholz.
A intensidade do modelo eletrônico é ainda maior do que a dos cigarros convencionais. Segundo a doutora, os analisados já apresentam índices de nicotina, em um ano, equivalentes ao de pacientes que buscaram ajuda após mais de duas décadas de dependência do fumo tradicional.
A especialista também alerta sobre como os cigarros eletrônicos são a porta de entrada para o tabagismo: entre as análises, apenas cerca de 40% se diziam ex-fumantes de cigarros tradicionais antes de aderir ao modelo eletrônico, também chamados de vapes.
A preocupação dos pesquisadores é que os dispositivos eletrônicos criado um revés contra as campanhas antifumo a partir dos anos 2000 —em São Paulo, a partir de 2009— responsável por uma queda acentuada no número de usuários.
Segundo Scholz, no último ano, cerca de 20% dos novos pacientes atendidos no InCor em busca de tratamento contra a dependência já eram fumantes de cigarros eletrônicos.
No mundo, dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) calculam que mais de 7 milhões de pessoas morrem todos os anos por doenças diretamente ligadas ao tabagismo, como o câncer pulmonar, e 1,2 milhão são vítimas passivas da dependência.
Os cigarros eletrônicos ainda são proibidos no Brasil, mas 74% dos analisados na pesquisa afirmam usar a versão descartável comprada em páginas de internet.
Tanto a Vigilância Sanitária quanto o Procon -SP afirmam terem entrado com ações para proibir a veiculação dos cigarros nas redes sociais e também negociado com produtoras de eventos o confisco dos aparelhos em shows, festivais e jogos de futebol.
A coleta para a pesquisa foi feita em bares, eventos, unidades de saúde e até mesmo em comércios, como restaurantes e supermercados. Foi conduzida pelo InCor (Instituto do Coração), em parceria com o Laboratório de Toxicologia da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), e mobilizou 50 agentes da Vigilância Sanitária do estado de São Paulo a partir do segundo semestre deste ano.