“Vamos precisar de uma quantidade de energia que não está disponível, hoje, no mundo para fazer a inteligência artificial do futuro”, afirmou o líder de políticas públicas da OpenAI (a criadora do ChatGPT) para América Latina e Caribe, Nicolas Robinson de Andrade.
O executivo faz referência ao objetivo da empresa de construir uma superinteligência artificial, capaz de superar o raciocínio e o conhecimento coletivo da humanidade, e direcioná-la para o bem comum. O apetite da empresa por eletricidade, por outro lado, preocupa ambientalistas, em meio ao clamor para a redução da pegada climática da sociedade sobre o planeta, antes de uma situação catastrófica e irreversível.
Os supercomputadores aptos a desenvolver IA de ponta gastam seis vezes mais energia do que uma máquina instalada em um centro de processamento de dados comum. Trata-se da indústria que move redes sociais, bancos e outros serviços na internet, os data centers.
A AIE (Agência Internacional de Energia) estimou, no início deste ano, que o consumo de energia elétrica nos data centers poderá passar dos 460 terawatt-hora (TWh) registrados em 2022 para 1.050 TWh em 2026 (mais do dobro do que o Brasil consumiu ao longo de 2023).
O motivo disso seriam as unidades de processamento gráfico (GPUs), peças que fazem trilhões de operações matemáticas por segundo e permitem a execução dos complexos modelos estatísticos por trás da IA generativa e, ao mesmo tempo, consomem cerca dez vezes mais eletricidade do que um chip comum.
As GPUs, produzidas pela Nvidia e outros três concorrentes, são mais eficientes do que um chip comum, mas passaram a atender uma demanda reprimida por poder computacional, aumentando o consumo geral.
“É inegável que a Nvidia tem conseguido melhorar a razão entre desempenho e consumo, mas não vamos conseguir sair desse dilema sem gerar mais energia, necessariamente, de fontes limpas”, disse o executivo à Folha durante a DPGC (Data Privacy Global Conference), um evento sobre proteção de dados e regulação realizado em São Paulo nesta segunda-feira (25). “Os países terão de se sentar em uma mesa e resolver esse gargalo.”
Em outubro, o G20 alertou para o impacto ambiental da inteligência artificial, em declaração conjunta dos 20 países membros formulada na capital maranhense, São Luís. Por outro lado, o documento ponderou a utilidade da tecnologia para avançar em estratégias produtivas mais sustentáveis.
“É fundamental que os países do G20 priorizem investimentos em larga escala para produção de energia limpa, aloquem fundos para iniciativas de pesquisa e aperfeiçoem a infraestrutura de IA”, recomendou o bloco.
Na visão do representante da OpenAI na América Latina, o Brasil está avançado nesse debate, com 88% de sua matriz elétrica vindo de fontes renováveis, como hidrelétricas, além de usinas térmicas e solares. As empresas de tecnologia usam como critério de energia limpa a emissão de carbono, assim incluindo a geração nuclear, que não é renovável.
Os maiores empresários americanos da tecnologia têm investido bilhões de dólares em desenhos mais sustentáveis de usinas nucleares. O fundador do Facebook Mark Zuckerberg aposta em data centers movidos pela fissão de urânio. Bill Gates, da Microsoft, investe em um projeto de geração nuclear sem emissão de carbono.
O chefe-executivo da OpenAI, Sam Altman, por sua vez, é sócio de uma empresa fusão nuclear do hidrogênio, que reduziria o despejo de resíduos radioativos em relação à fissão de urânio e seria uma fonte perene de energia, diferentemente dos ventos e da energia solar, disponível somente durante o dia com clima adequado. A empresa chamada Helion Energy promete iniciar a produção até 2028.
O Brasil está na dianteira em termos de eletricidade renovável, mas fica atrás dos Estados Unidos em infraestrutura. Ainda não há no território nacional um data center de IA, embora Microsoft, Amazon e Google tenham anunciado investimentos para expandir as unidades brasileiras de processamento de dados.
“Os EUA fizeram um investimento pesado em cabos de fibra óptica e cabos coaxiais [que servem para transmissão de ondas de alta frequência e quantidades massivas de dados] e saíram muito à frente do resto do mundo na corrida por inteligência artificial”, disse Andrade, que é americano, filho de pai brasileiro.
A geração insuficiente de eletricidade e a dificuldade de produzir unidades de processamento gráfico em larga escala tornam o poder computacional no mundo um “recurso escasso e caro”, segundo o representante da OpenAI.
A principal fornecedora de GPUs, a Nvidia, tornou-se no início do mês a empresa mais valiosa do mundo (o valor de mercado ultrapassou os US$ 3,6 trilhões, quase R$ 21 trilhões), impulsionada por receitas recordes com venda do componente. Nesta segunda-feira (25), o gigante dos chips, hoje avaliado em US$ 3,37 trilhões (R$ 19,5 tri), estava atrás da Apple (US$ 3,52 tri ou R$ 20,4 tri).
A desenvolvedora do ChatGPT, OpenAI, apesar de liderar no segmento, ainda opera em prejuízo e depende dos supercomputadores da Microsoft para funcionar. “A gente não faz anúncio, vive de vender licença para uso e disponibiliza o nosso produto gratuitamente, da forma que é possível, para estarmos alinhados com o nosso objetivo de inteligência artificial em prol da humanidade”, afirmou Andrade sobre limitações da versão gratuita das IAs da empresa.
“Porque estamos na liderança de uma tecnologia transformadora, temos de fazer escolhas difíceis todos os dias.”