O uso da linguagem simples avança no setor público como forma de criar uma comunicação mais compreensível para cidadãos, sem jargões e excesso de formalidade. O objetivo, com isso, é facilitar o uso de serviços e tornar a burocracia mais acessível.
No último dia 30, o projeto de lei que estabelece a Política Nacional de Linguagem Simples avançou no Senado, depois de aprovado pela Comissão de Comunicação e Direito Digital.
O texto prevê que a comunicação de entidades públicas em todos os níveis da federação seja simplificada e detalha as técnicas para cumprir esse objetivo: uso de frases curtas e na ordem direta, expor apenas uma ideia por parágrafo e adotar palavras mais conhecidas pelo público. O projeto segue para análise da Comissão de Transparência e Governança.
Antes do PL, o tema já vinha ganhando espaço em iniciativas de alguns órgãos públicos. No ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) instituiu o selo da linguagem simples para reconhecer segmentos do Judiciário que têm avançado na implementação da prática.
No Tribunal de Justiça do Ceará, por exemplo, varas de execução penal adotaram a linguagem simples para que presos em regimes aberto e semiaberto entendam melhor as condições de suas penas e, assim, evitem o retorno ao encarceramento.
“A linguagem simples não é coloquial. Muita gente confunde isso e acha que está empobrecendo a língua portuguesa”, diz Luana Faria, coordenadora-geral do Labora Gov (Laboratório de Gestão Inovadora), vinculado ao Ministério da Gestão.
“Aprendemos que escrever difícil é bonito, mas não é. É uma forma de criar barreiras de acesso aos serviços, o que afeta até o exercício da cidadania.”
A prática não é nova. Começou na década de 1940, nos governos da Inglaterra e dos Estados Unidos, para melhorar a comunicação com o cidadão. Com o tempo, foi institucionalizada e se expandiu para outros países. Hoje, está presente em iniciativas de governos como México, Peru e Canadá.
No Executivo federal, o Labora trabalha com órgãos para implementar essa técnica. De acordo com Luana, muitas entidades pedem ajuda ao laboratório depois de receber um alto número de reclamações, quando usuários enfrentam dificuldade para entender o passo a passo de acesso a um serviço.
“Acontece de culpabilizarem o cidadão, dizerem que ele não está entendendo o site ou que não leu o manual. Mas, se muitas pessoas estão errando, a culpa não é deles. É nossa”, diz.
Materiais que usam a linguagem simples estão tanto em serviços, como no gov.br, quanto em postagens nas redes sociais. No caso dos serviços, todos devem ser testados com o público-alvo antes de irem ao ar, segundo Luana.
A mesma técnica é aplicada na prefeitura de São Paulo, de acordo com Mar Alves, que atuou no programa de linguagem simples da cidade e hoje é consultora nessa área.
Antes de adaptar algum material, é preciso identificar o público-alvo para entender qual a forma mais adequada de se comunicar. Isso vai definir o que será mudado e como, segundo a consultora.
Se o público-alvo têm alto índice de analfabetismo ou dificuldade para ler e entender textos, por exemplo, o conteúdo deve ser feito usando mais recursos visuais, como fotos e ilustrações. A linguagem simples também precisa ser acompanhada da acessibilidade, como leitores de tela, no caso dos serviços online.
“É importante fazer essa testagem, pegar o texto e falar com essa pessoa para olhar o documento e me dizer se ela realmente consegue entender”, afirma Mar.
Em São Paulo, ela diz que um dos maiores desafios era no atendimento do Cras (Centro de Referência de Assistência Social).
O órgão recebia muitos usuários com dificuldade para entender como preencher formulários. A partir dessa demanda, a equipe da prefeitura se reuniu com os profissionais do Cras, deu orientações e fez mudanças para tornar o documento mais compreensível.
Em Minas Gerais, o Laboratório de Inovação em Governo, vinculado à Secretaria de Planejamento, tem atuado para adaptar sites, serviços e documentos.
Hoje, a pasta trabalha para simplificar a linguagem documentos que vão desde editais até cartilhas de vigilância sanitária, além de auxiliar outros órgãos estaduais a melhorar o uso de sites e aplicativos.
Ana Flávia Morais, subscretária de Inovação e Gestão Estratégica da pasta, diz que um dos desafios é contornar a resistência de burocratas para mudar a comunicação.
“As pessoas que têm um contato direto com o cidadão são mais facilmente convencidas da importância de adaptarem a forma de se comunicar. Já as que trabalham com esses documentos mais burocráticos, têm muito receio por causa da validade jurídica.”
No Ceará, o apoio aos órgãos na adaptação da linguagem simples é feito pelo Íris Lab (Laboratório de Inovação e Dados).
Neste ano, foi lançado o edital Mulheres Rurais, voltado a negócios feitos por mulheres que moram na zona rural. Em uma pesquisa de satisfação, o governo identificou que, para 91% das candidatas, o edital era de fácil entendimento. Além disso, 95% disseram que a linguagem simples incentivou a inscrição.