A maioria dos brasileiros afirma que, quando a polícia aborda uma pessoa negra, geralmente é mais violenta do que ao abordar um branco. Ao todo, 79% da população compartilham da opinião, segundo pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (2). A taxa dos que discordam é de 17%.
Segundo o levantamento, 28% dos brasileiros já foram parados na rua para uma revista policial. O número é maior entre pretos, 34%, ante 29% dos pardos e 24% dos brancos. A maior diferença neste tipo de situação se dá entre homens (50%) e mulheres (8%).
A pesquisa foi realizada de 5 a 7 de novembro de 2024 e tem margem de erro geral da amostra de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Com relação à cor da pele, a margem de erro é de cinco pontos para pretos, de quatro para brancos e de três para pardos. Foram entrevistadas 2.004 pessoas com 16 anos ou mais, em 113 municípios de todas as regiões do país.
De acordo com Evandro Cruz Silva, pesquisador de violências de Estado e relações raciais, os dados refletem a realidade do policiamento no país. Para ele, o exercício policial não tem funcionado como deveria, e as abordagens são feitas com base um perfilamento racial, em que pessoas negras são os principais alvos.
“Esse padrão de policiamento ostensivo tem efeito sobre a redução e o combate ao crime? Os números mostram que não, mas isso se sustenta como uma prática histórica das forças policiais. Quando uma instituição que não está formalmente orientada a agir racialmente age, sua ação leva à produção de desigualdade racial. A gente chama isso de racismo institucional”, afirma o sociólogo Paulo César Ramos, autor do livro “Gramática Negra Contra a Violência de Estado” (2024, Elefante).
De acordo com ele, a orientação racial somada ao fator de gênero e à idade torna o jovem negro a maior vítima de violência policial. O pesquisador considera que homens são mais abordados porque há uma convenção social que exclui a mulher do lugar de suspeita.
A respeito dos pardos, mais abordados pela polícia que os brancos e menos que os pretos, a advogada Carolina Pereira afirma que dois fatores podem ser apontados: a proporcionalidade em relação à população (10% da população é preta; 43% é branca e 45%, parda, segundo o IBGE) e a passabilidade —capacidade de transitar entre diferentes grupos raciais.
“A forma como pessoas pardas estão vestidas, sua classe social e os territórios que ocupam podem fazer com que sejam abordadas, se aproximando um pouco mais dos pretos, ou não”, explica.
Também de acordo com a pesquisa, é majoritária a parcela de mães e pais que têm medo de que seus filhos sejam vítimas de algum tipo de abordagem violenta pela polícia —68% dos entrevistados com filhos disseram temer esse tipo de situação, sendo que 43% têm muito medo, e 25%, um pouco de medo.
No universo de pais e mães pretos, mais da metade temem esse tipo de situação: 75% (55% têm muito medo da violência policial contra seus filhos e 20% têm um pouco de medo). O temor fica em 70% entre pardos (44% e 26%, respectivamente) e em 61% no segmento de brancos (36% e 25%, respectivamente). No recorte de gênero, 50% das mães têm muito medo, e 24%, um pouco de medo, frente a 34% e 25% dos pais, respectivamente.
Nesse recorte, a margem é de três pontos entre os que têm filhos, sendo três para pais e quatro para mães. No recorte dos que têm filhos e são pretos, a margem é de sete pontos, de quatro pontos para pardos e cinco para brancos. Foram entrevistados 1.312 pais e mães, em 113 municípios de todas as regiões do país.
De acordo com Ramos, pais e mães negros temem que os filhos vivenciem as mesmas experiências pelas quais passaram. “É marcante. Muitas vezes é por meio de uma abordagem policial que a pessoa vai descobrir que, por mais baixa que seja a pigmentação da sua pele, não é o suficiente para ele escapar do lugar de suspeito. A abordagem policial é um ritual de racionalização”, diz.
Por esse motivo, pais passam a orientar seus filhos sobre o que vestir, como se portar e até como se mexer em público, especialmente em situações de risco. É o caso da assessora de eventos Anita Leite, 36, mãe de Isaac, que é pardo.
“Ele tem apenas 16 anos, mas um pensamento muito avançado com relação a defender os direitos das minorias. Caso ele seja abordado de forma violenta, eu sei que ele iria questionar”, afirma. “Eu converso muito com ele, oriento as respostas, peço para andar sempre com o RG e que seja cuidadoso caso seja abordado.”
Para Pereira, pais e mães pretos têm mais medo porque a força ostensiva se concentra em regiões periféricas. “Se nenhum jovem da família passou por isso, algum vizinho ou conhecido já passou.”
O Datafolha também perguntou aos entrevistados qual o grau de confiança na polícia, em uma escala de zero a dez.
Enquanto para brancos e pardos os valores médios de confiança são 6,1 e 6,0, respectivamente, entre pretos o valor cai para 5,2, sendo que 28% deles atribuem as notas de confiança mais baixas (de 0 a 3), índice superior ao registrado entre brancos e pardos. A nota média atribuída pelos brasileiros é 5,9.
Para Ramos, a nota reflete a noção sobre a importância da polícia somada à consciência sobre a violência da instituição. “Todo cidadão sabe que precisa da polícia, mas não gostaria de precisar confiar nela.”
O arquiteto Anderson de Almeida, 40, diz que tenta confiar nas forças de segurança. Mas, ao mesmo tempo, considera que os policiais são seres humanos com preconceitos e condições de trabalho ruins. “Eles carregam marcas psicológicas da violência que infelizmente é estimulada no seu treinamento.”
Ele diz ter passado por situações em que foi parado em uma revista policial enquanto os amigos brancos puderam seguir em frente. “Por ser um homem negro, periférico e homossexual, carrego as marcas do preconceito. Já fui seguido pela polícia em bairros nobres de São Paulo. Algumas vezes, ao precisar do trabalho da polícia, me senti subjugado e precisei falar que sou arquiteto para ser ouvido. Todas essas marcas me fazem confiar pouco no trabalho da instituição, da polícia.”