A COP29 entregou um Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG, na sigla em inglês) sobre financiamento climático. Sem esse acordo, as negociações climáticas estariam à beira do colapso, e o Brasil herdaria uma missão quase impossível. O regime internacional respirou, mas não está livre de ter que se reinventar.
Primeiro, falemos do processo. As últimas semanas foram desordenadas e dolorosas para quem esteve em Baku: ouvimos o ensurdecedor eco de posições históricas, vimos a sociedade calada pelas regras autoritárias do anfitrião e pouco esforço para liderar o consenso. O Azerbaijão será lembrado como exemplo de como não se conduzir uma COP.
Mas há outros culpados, como os países desenvolvidos, que colocaram (pouco) dinheiro na mesa somente no último dia da reunião. E países que continuam a obstruir a transição para longe dos combustíveis fósseis, nem sequer mencionada na decisão.
Segundo, da decisão do NCQG. A missão dos negociadores era definir a meta, quem seria cobrado a cumpri-la e até quando. O resultado consiste em duas cifras: uma de pelo menos US$ 300 bilhões, insuficiente, que gera obrigação no contexto da Convenção. E outra de pelo menos US$ 1,3 trilhão, interessante, mas na forma de um convite para todos os atores, públicos e privados, contribuírem.
Nesse sentido, o NCQG obrigará os 23 países listados como desenvolvidos (e a União Europeia como bloco) a mobilizarem mais dinheiro do que estes gostariam, mas muito menos do que os países pobres precisam.
Segundo consta da própria decisão, o valor acordado fica US$ 155 bilhões abaixo do necessário para implementar o Acordo de Paris até 2030, que requer de US$ 455 bilhões a US$ 584 bilhões por ano. Apenas para adaptação, as necessidades giram em torno de US$ 215-387 bilhões por ano até 2030. Ou seja, quase tudo do que foi prometido.
Com a quase certeza de que Trump pulará fora do Acordo de Paris assim que assumir a Casa Branca, há quem tenha visto uma dose realista na escolha dos US$ 300 bilhões. Mas os Estados Unidos, no auge da sua contribuição, chegaram a US$ 11 bilhões, em quatro anos, durante a era Biden. Ou seja, não seriam eles a garantir o cumprimento dessa meta ou de algo melhor.
De onde virá o dinheiro? Os US$ 300 bilhões podem ser alcançados se os bancos multilaterais entregarem os US$ 185 bilhões anuais previstos até 2030. Para completar, o financiamento bilateral de países ricos para países pobres precisa dobrar.
A responsabilidade de liderar esses fluxos permanece com os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de 1992, excluindo economias em transição como Rússia e Azerbaijão. Tentativas de mudar essa regra e incluir economias emergentes não foram adiante em Baku. O que mudou foi a atitude da China, que topou oferecer dados sobre o que tem distribuído a outras economias, de forma voluntária.
A segunda cifra importante do NCQG mira “pelo menos US$ 1,3 trilhão até 2035”, advindo de uma gama mais ampla de fontes —o que se alinha com o valor recomendado por um painel de especialistas. Trata-se de um convite.
Como não existe botão na ONU para mobilizar o ecossistema de atores que podem fazer esse recurso fluir, decidiu-se criar um “mapa do caminho de Baku a Belém”. Pode ser uma ferramenta útil para estruturar e coordenar esforços globais rumo à meta de US$ 1,3 trilhão anual até 2035, inclusive aproveitando as bases que o Brasil construiu no G20.
Além de volume, o financiamento climático precisa de qualidade. Deve ser de fácil acesso, transparente na contabilização, não aumentar o endividamento e, idealmente, reduzir os custos de capital.
Hoje uma parcela crescente dos recursos que deveriam apoiar países vulneráveis é oferecida como empréstimos a juros, agravando crises de dívida. Reverter essa tendência é urgente. Mobilizar fontes inovadoras —como taxas sobre transações financeiras ou emissões marítimas e aéreas— deve ser parte do mapa do caminho.
Em terceiro lugar, outras questões centrais foram ignoradas. Não há sub-meta para adaptação. Perdas e danos, outro tema essencial, foram tratados de forma genérica, e referências à eliminação de subsídios a fósseis foram barradas.
O NCQG não é um dinheiro que deveria sair do bolso do pensionista ou penalizar o contribuinte de baixa renda de um país desenvolvido. Ele deveria vir daqueles que lucram com a poluição. Mas é justamente essa lógica, a de fazer os poluidores pagarem, que falta.
Outro ponto crítico foi a exclusão da natureza e da biodiversidade, deixando para o Brasil a tarefa de recolocar os temas no mapa de Baku a Belém.
Por último, é um alívio que, ao menos, essa decisão tenha sido alcançada em Baku e que vá passar por uma revisão em 2030. Ou seja, não vamos esperar uma eternidade para ajustar o que deu errado. Ela evita o pior: mais um ano de discussões paralisantes sob a liderança do Azerbaijão. Mas é um acordo amargo. É fruto de um incrementalismo que não vai resolver a emergência climática no nosso tempo.
É muito frustrante ver que, depois de 29 COPs, continuamos insistindo em um modelo que firma promessas, mas falha em criar políticas climáticas efetivas. Hoje a maioria dos países têm metas de emissões líquidas zero, mas nem sequer conseguimos normalizar a transição dos combustíveis fósseis. E, no financiamento climático, algo tão básico como aplicar o princípio do poluidor-pagador continua ausente.
A história não será gentil com o modelo atual de COPs. É hora de fazer diferente. E isso, espero, começa em Belém. A presidência do Brasil na COP30 pode e deve ser o marco de um novo rumo —e de um outro modo de caminhar.