O caminho para a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudança climática em Belém, acabou minado pelos resultados desapontadores do encontro em Baku, no Azerbaijão, encerrado na madrugada de domingo (24). Analistas, cientistas e organizações ambientais coincidem ao sublinhar o peso que recairá sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A diplomacia brasileira terá de trabalhar a partir de amanhã por acordos que tenham relevância para a crise climática, e não apenas nos que já estavam em seu mandato”, afirmou o físico Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo) e integrante do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).
O principal acordo extraído na COP29, de Baku, fixou o valor anual para o financiamento climático de países em desenvolvimento em US$ 300 bilhões até 2035. A cifra é apenas uma fração do total anual de US$ 1,3 trilhão necessário para a transição energética e a adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global requerido, com base em cálculos de pesquisadores.
O Brasil respaldou, a contragosto, o acordo. Mas sua delegação estava ciente de que a tarefa de elevar substancialmente esse valor entrará na pauta da COP30. Sem revolver a questão do financiamento, o objetivo principal da conferência de Belém, a consolidação de um compromisso global de corte rente nas emissões dos gases do efeito estufa, estará em risco.
Os novos compromissos de cada país, chamados de NDCs (do inglês, contribuição nacionalmente determinada), serão depositados até fevereiro de 2025. O Brasil já antecipou o seu há duas semanas, com a promessa de reduzir suas emissões de 59% a 67% em 2035, em relação aos níveis de 2005.
Mas, para o restante do mundo em desenvolvimento, será impensável apertar seus compromissos climáticos enquanto os mais ricos não abrirem a carteira e multiplicarem os US$ 300 bilhões. “Os países pobres não vão tirar dinheiro do combate à fome para financiar ações climáticas. Isso agrava muito a crise do aquecimento global”, afirmou Artaxo.
Ao reagir ao acordo de Baku, Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima do WRI Brasil, apontou o mesmo dilema para a COP30. “Mais financiamento incentivaria os países a apresentarem novas metas climáticas (NDCs) mais ambiciosas no ano que vem”, afirmou, por meio de nota.
“Ao assumir a presidência da COP30, o Brasil terá o dever de continuar sendo um exemplo positivo e cobrar maior ambição dos demais países, assim como recuperar a confiança das partes após um processo decisório desgastado e em um contexto geopolítico mais desafiador”, completou.
Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, avaliou que a COP30 terá de ser “muito competente e dedicada para preencher as lacunas” em Baku e manter o objetivo global de impedir que a temperatura média do planeta suba além de 1,5°C, em relação ao padrão pré-industrial.
Para a bióloga Mercedes Bustamante, professora da UnB (Universidade de Brasília) e também integrante do IPCC, a COP29 provou que as chances de sucesso de uma conferência dependem da capacidade de sua liderança para articular a transição dos combustíveis fósseis para os limpos e aliviar a forte divisão entre ricos e pobres.
“Além de uma presidência habilidosa —o Brasil tem uma tradição de bons negociadores— e comprometida com um resultado ambicioso, deverá haver um compromisso mais significativo com a proteção da natureza como um componente essencial de mitigação, adaptação e bem-estar humano”, diz.
Lacunas e estragos
As lacunas do acordo da COP29 não são poucas. Segundo Artaxo, a conferência de Baku não desceu a detalhes relevantes sobre o financiamento do clima. O texto final não reforça como obrigatórias as doações dos países ricos, não discrimina quanto cada um terá de desembolsar e tampouco amarra esses recursos em fundo climático.
O padrão atual das nações desenvolvidas de emprestar os recursos às mais pobres, muitas vezes a juros de mercado, não chegou a ser proibido pelo texto. Ainda pior, para Artaxo, são os fatos de o acordo não ter trazido nenhuma palavra contrária aos projetos da indústria petrolífera nem de reforço ao corte de emissões de gases-estufa pelas economias mais desenvolvidas.
“Demorou dez anos para o acordo de financiamento sair. Será que teremos de esperar mais dez anos pela regulamentação do financiamento?”, questionou o cientista.
Para Artaxo, o Brasil até poderia focar-se no fim do desmatamento de florestas tropicais como meio de apresentar ao mundo alguma redução das emissões globais. Mas mesmo que chegue a zero em 2030, como esperado, tal esforço acabará apenas com 13% das atuais emissões.
Enquanto isso, dados das Nações Unidas conhecidos pouco antes da COP29 alertavam para o cenário de aquecimento médio de 3,1°C, calculado com base no atual nível de emissões. Em um país continental e tropical como o Brasil, o aumento seria de 4°C a 4,5°C, advertiu Artaxo.
“Imagine a população de Teresina [PI] submetida a mais 4°C e a eventos climáticos muito mais intensos”, exemplificou Artaxo. “A coisa está muito ruim. Há falta completa de governança global, e a questão climática não está na cabeça dos líderes mundiais.”