O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino determinou neste domingo (24) que o município de São Paulo restabeleça a comercialização e a cobrança pelos serviços funerários, cemiteriais e de cremação tendo como valores máximos aqueles que eram cobrados antes da privatização.
Em sua decisão, Dino determina então como teto máximo dos serviços aqueles cobrados antes da privatização, atualizados pelo índice IPCA até a presente data.
“Com isso, objetiva-se evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação em desfavor das famílias paulistanas, em face de um serviço público aparentemente em desacordo com direitos fundamentais e com valores morais básicos”, afirma o ministro, em sua decisão.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo classificou a determinação de “retrocesso”. A Cortel, uma das concessionárias dos cemitérios, afirmou que ainda não foi notificada sobre a nova decisão e não iria se posicionar.
A reportagem procurou as concessionárias Velar, Maya e Consolare e aguarda posicionamento.
O ministro atendeu parcialmente uma ação ingressada pelo PCdoB, contestando a gestão privada de cemitérios e crematórios e solicitando que o município reassuma os serviços. A legenda afirma haver “graves lesões ao preceito fundamental da dignidade da pessoa humana”.
“A privatização dos serviços funerários e cemiteriais tem levado a exploração comercial desenfreada pelas empresas que receberam a concessão do poder municipal, nos piores momentos da vida das pessoas que perdem seus entes queridos”, afirma o partido na arguição de descumprimento de preceito fundamental.
“Preços extorsivos dão a tônica do que tem sido o calvário de quem precisa sepultar um familiar, um amigo, sobretudo para os mais pobres, que na prática não têm acesso aos serviços destinados a pessoas de baixa renda”, completa a peça jurídica.
Em nota, a prefeitura afirmou que a medida é um “retrocesso às ações adotadas pela administração para atender os mais pobres” e elimina desconto de 25% do funeral social garantido pela nova modelagem. A decisão provocaria a perda de benefícios, segundo a administração.
“A ação foi baseada em reportagens já contestadas pela prefeitura após publicação de valores equivocados ou incomparáveis”, diz.
“Por fim, a prefeitura lamenta o uso político por partidos (Partido Comunista do Brasil) que tentam provocar um retrocesso numa concessão que tem beneficiado diretamente a população, especialmente as famílias mais vulneráveis”, continua.
O PCdoB lista na peça jurídica uma série de reportagens da imprensa, mostrando tratamento pelas concessionárias que são incompatíveis com os preceitos de dignidade da pessoa humana.
Uma delas, publicada neste mês, mostra que o Grupo Maya, responsável pela administração dos cemitérios do Campo Grande, Lajeado, Lapa, Parelheiros e da Saudade, cobrou R$ 12 mil para realizar o funeral de uma criança recém-nascida.
Procurado pela Folha, o Grupo Maya lamentou o ocorrido, apontou falhas no serviço de atendimento e prometeu abrir uma apuração interna sobre o fato.
A privatização dos cemitérios teve início em março de 2023. As empresas Cortel, Velar, Maya e Consolare pagaram R$ 7,2 bilhões à prefeitura para administrar as unidades pelos próximos 25 anos.
As concessionárias vão pagar R$ 646 milhões em outorgas e também repassar 4% de suas receitas aos cofres municipais.
Passado mais de um ano das concessões, os cemitérios da cidade de São Paulo ainda apresentavam uma série de problemas de zeladoria. Durante visita às unidades, em março deste ano, a reportagem da Folha encontrou invasões de imóveis próximas a túmulos, sacos de lixo no chão e locais com mato alto, muitas vezes escondendo a identificação dos mortos.
Problemas parecidos já haviam sido constatados ao longo de 2023, quando começou a operação do serviço por quatro empresas —cada uma arrematou um bloco com parte dos 22 cemitérios da capital, além do crematório da Vila Alpina, na zona leste.