A Arábia Saudita é acusada de modificar o texto oficial de negociação da COP29, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que acontece em Baku, no Azerbaijão, segundo o jornal britânico The Guardian.
Um delegado da Arábia Saudita é acusado de ter feito alterações diretas em um documento oficial de negociação da cúpula, de acordo com reportagem publicada neste sábado (23).
Os documentos são geralmente compartilhados entre os países em formato PDF não editável, para que os envolvidos apenas leiam as versões e possam discutir posteriormente mudanças. Para a Arábia Saudita, teria havido tratamento diferente, com acesso para edição liberado pela presidência da COP29, que está a cargo da diplomacia do Azerbaijão.
“Esse tipo de comportamento de uma presidência coloca toda esta COP em risco”, disse, ao Guardian, Catherine Abreu, diretora do International Climate Politics Hub.
“Dar a uma parte acesso para editar esses documentos, e uma parte conhecida por seu objetivo de reverter o acordo global histórico feito no ano passado para a transição dos combustíveis fósseis para energia renovável e eficiência energética, sugere uma preocupante falta de independência e objetividade, e claramente contraria tanto o espírito quanto as regras deste processo”, afirmou também.
Procuradas pelo Guardian, a presidência da COP29, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) e a delegação saudita não comentaram.
A conclusão da COP29 está atrasada. A cúpula, que deveria ter terminado na sexta (22), conseguiu abrir a plenária final apenas na noite deste sábado em Baku (tarde no Brasil). A sessão durou cerca de uma hora e meia e foi pausada. Há expectativa de que seja retomada nas próximas horas.
O desfecho depende de um acordo entre os países para o principal tema desta edição, o financiamento climático. Os países em desenvolvimento pedem US$ 1,3 trilhão por ano para o financiamento climático, enquanto a proposta apresentada na sexta (22) entregaria US$ 250 bilhões anuais até 2035.
A Arábia Saudita, potência do petróleo, tem agido para bloquear menções a combustíveis fósseis nas decisões, numa tentativa de minar o resultado da última conferência do clima, a COP28, de Dubai. No encontro de 2023, os países concordaram em fazer uma transição dos combustíveis fósseis, em decisão histórica.
“O grupo não aceitará nenhum texto que aponte contra setores específicos, incluindo as energias fósseis”, disse Albara Tawfiq, representante saudita, em sessão plenária da COP29 na quinta-feira (21). A Arábia Saudita preside o grupo árabe na conferência climática deste ano.
A acusação publicada com exclusividade pelo jornal britânico se refere a documento que foi encaminhado pela presidência do Azerbaijão no início deste sábado, contendo atualizações no texto de negociação sobre o programa de trabalho de transição justa (JTWP, na sigla em inglês). O texto aborda a ajuda para países fazerem transição energética ao mesmo tempo em que diminuem desigualdades.
O documento foi repassado com “alterações rastreadas” de uma versão anterior. Em dois casos, o arquivo mostra que as edições foram feitas diretamente por Basel Alsubaity, que integra ministério de Energia da Arábia Saudita, e a chefia do JTWP. Segundo o Guardian, o texto não foi enviado a outros países para edição.
Uma das alterações apagou trecho que dizia: “incentiva as partes a considerarem caminhos de transição justa no desenvolvimento e implementação de NDCs, NAPs e LT-LEDSs que estejam alinhados com o resultado do primeiro balanço global e disposições relevantes do Acordo de Paris”.
NDCs é a sigla, em inglês, pela qual são chamadas as contribuições nacionalmente determinadas, ou seja, as metas de cada país no Acordo de Paris. Os NAPs são os planos nacionais de adaptação, e os LT-LEDs são estratégias de desenvolvimento de baixa emissão de longo prazo.
Também divulgado neste sábado (23), um relatório produzido pela organização Climate Action Against Disinformation (ação climática contra a desinformação) reuniu dados sobre “o preocupante nível de influência que a indústria de combustíveis fósseis exerceu sobre as negociações” da COP29.
Entre os motivos de alerta divulgados pela entidade, surge justamente a proximidade da presidência do Azerbaijão, que também é um petroestado, com a indústria de óleo e gás.
Com isso, houve “mais de 1.700 representantes [do lobby dos combustíveis fósseis], incluindo 132 executivos de alto escalão, participando ativamente das negociações”.
O documento também critica a atuação das autoridades sauditas, que continuariam “promovendo a falsa narrativa de que ‘os combustíveis fósseis são indispensáveis para as necessidades energéticas do mundo’, minando os esforços para a transição rumo a um futuro energético sustentável”.
Colaborou Giuliana Miranda, de Dubai.