Comida e bebida, os combustíveis para negociadores e jornalistas, sempre recebem muita atenção nas conferências climáticas. Neste ano, a delegação australiana tornou-se a favorita por seus cafezinhos grátis. Outro ponto popular é o pavilhão do Azerbaijão, onde os visitantes podem tomar chá forte servido em samovares reluzentes.
Mas há também o estande de Singapura. Lá, é oferecida gratuitamente cerveja feita com água reciclada de sanitários.
Negociadores e observadores, reunidos em um estádio de futebol restaurado nos confins de Baku, capital do Azerbaijão, não parecem se importar. Na realidade, as credenciais da cerveja como bebida reciclável podem adicionar algum apelo entre os ambientalistas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP29.
“Primeiro, os olhos deles arregalam. Então, nós os tranquilizamos. Eles normalmente voltam no dia seguinte para outra”, contou Samantha Thian, uma das líderes da delegação jovem de Singapura, sobre os degustadores.
Uma pilsner com a marca NEWBrew, a cerveja é o resultado de uma colaboração entre a companhia Brewerkz, de Singapura, e a agência abastecedora de água do país. Vem em uma lata decorada com painéis solares, nuvens e paisagens de cidades. O projeto foi desenhado para atrair a atenção aos esforços de recuperação de água de Singapura.
País-ilha no sol da Península da Malásia, Singapura não dispõe de grandes fontes naturais de água. Há coleta de chuva, importações da vizinha Malásia, dessalinização e uso de um sistema de filtragem e raios ultravioleta para tornar a água potável de novo.
A empresa Brewerkz mantém produção limitada de cerveja, a partir de água reciclada, desde 2018. Fabrica especialmente para conferências e eventos comerciais, como um festivo embaixador da causa da água reciclada.
“Admito que é um pouco de truque, mas essas coisas realmente funcionam”, disse Ong Tze-Ch’in, presidente da agência nacional de água de Singapura.
Diante dos impactos do aquecimento global sobre a escassez de água, assegurar que há água suficiente para as pessoas, as plantações e as principais indústrias, como a de chips de computadores, é um um desafio central.
Cerca da metade da população do planeta esforça-se para conseguir água limpa suficiente pelo menos em parte de cada ano, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), um braço das Nações Unidas. E, a cada grau de aumento de temperatura, crescem os riscos de seca e inundações.
Enquanto as notícias de uma cerveja feita de água de esgoto circulavam na COP29, alguns participantes pararam no estande de Singapura para um teste de curiosidade. Outros, como Pat Heslop-Harrison, professor de biologia da Universidade de Leicester, na Inglaterra, só queria uma bebida que não estivesse fora do estádio.
Só quando esmagou a latinha, ele percebeu que tinha bebido uma gelada feita de água de sanitários. Thian estava certa: ele gostou tanto que voltou no dia seguinte. “Tenho certeza que a tecnologia de Singapura é inigualável”, disse ele.
Alguns clientes ficaram mais envergonhados de provar a cerveja. Um deles ficou feliz em dar sua avaliação —”fresca” e “não muito amarga”—, mas não o seu nome, para seu chefe não descobrir que estava bebendo de dia durante uma conferência das Nações Unidas.
Julián Reingold, jornalista grego, parou para um gole quando as negociações da COP29 começaram a atolar, na segunda semana. “Se bebêssemos mais daquela cerveja, não sei como as negociações acabariam. Talvez melhor. Quem sabe?”, disse.