A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criticou a demora para apresentação de uma proposta concreta para a nova meta global de financiamento climático. O rascunho só saiu na tarde desta sexta (22), atrasando o encerramento da COP29, a 29ª conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), no Azerbaijão, que estava marcado para o fim do dia.
A cúpula, sem consenso por enquanto, continuará neste sábado (23) na capital Baku. Pela manhã, madrugada no Brasil, está prevista uma plenária, mas ainda não há previsão de encerramento do evento.
Marina afirmou que o Brasil vai trabalhar “até o último minuto” para garantir que haja um acordo, impedindo a repetição do desfecho da última convenção da biodiversidade da ONU, a COP16. Realizada há menos de um mês em Cali, na Colômbia, a reunião terminou de forma abrupta após a comunidade internacional não conseguir aprovar o financiamento para o tema.
“Estamos dispostos a, mesmo com esse texto tendo saído já na prorrogação do segundo tempo, a trabalhar até o último minuto para que não levemos ao prejuízo de descredibilizar o sistema multilateral em relação ao enfrentamento da mudança do clima, sobretudo nesse contexto geopolítico que nós estamos vivendo”, afirmou, em entrevista coletiva.
Para Marina, diante de “um cenário de desequilíbrio total do sistema climático, com sofrimentos enormes para a humanidade”, não é possível aceitar que “o objetivo central desta COP [o financiamento], não seja resolvido nesta COP”.
Se a COP29 terminar sem um acordo sobre a nova meta de financiamento, mais conhecida pela sigla em inglês NCQG (novo objetivo coletivo quantificado), o assunto ficará para ser resolvido na próxima conferência, a COP30, em Belém, engordando ainda mais a agenda no Brasil em 2025.
“Inicialmente, a gente pode pensar que isso é um prejuízo para a COP30, mas não é só isso. É um prejuízo para o sistema multilateral, que vem trabalhando com dificuldades”, pontuou.
“E é um prejuízo em um contexto geopolítico bastante delicado, em que há uma manifestação de que os Estados Unidos irão sair do Acordo de Paris. Então, isso aumenta a nossa responsabilidade aqui nessa COP, de [mostrar] que o sistema está de pé e fortalecido.”
Para além de ter sido divulgado somente na tarde do último dia da conferência, o rascunho do NCQG proposto pela presidência da COP29, a cargo da diplomacia do país anfitrião, trouxe uma redação confusa, com margens para múltiplas interpretações, e ainda com um objetivo financeiro muito aquém do que era pedido pelos países em desenvolvimento, que são os recebedores dos recursos.
A proposta, que está agora em análise pelos quase 200 países signatários da convenção do clima, sugere que os países ricos desembolsem US$ 250 bilhões anuais: um valor que é menos de um quinto do US$ 1,3 trilhão pedido pelas nações em desenvolvimento.
O rascunho menciona a necessidade de se chegar ao US$ 1,3 trilhão por ano até 2035, mas não indica um compromisso com esse objetivo, dando margem ainda para que outros países ajudem a pagar a conta ao conclamar “todos os atores a trabalharem juntos para possibilitar a ampliação do financiamento”.
O conteúdo e a redação do documento, classificado como “inaceitável” por diversas organizações ambientais, foram criticados abertamente pelo Brasil.
Na avaliação da secretária nacional de mudança do clima, Ana Toni, a linguagem adotada “deixa muita margem a muitas interpretações sobre muitas coisas”. Ela diz que o Brasil trabalhou o dia inteiro para “trazer mais clareza”.
Marina Silva disse que o Brasil tem uma contraproposta para o NCQG, indicando uma cifra inicial de US$ 300 bilhões anuais, que seriam uma forma de “dar o pontapé nesse caminho e alcançar o US$ 1,3 trilhão, que é uma responsabilidade dos países desenvolvidos”. O Itamaraty, a pedido da presidência da COP29, tem colaborado nas articulações, assim como o Reino Unido.
A proposta feita pelo Brasil pede que a nova meta siga as conclusões do último relatório do Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível em Financiamento Climático, publicado na primeira semana da COP29.
Nos últimos anos, a instituição vem apoiando a agenda de financiamento climático das presidências das convenções do clima. O mais recente documento indica que, para chegar às metas estabelecidas no Acordo de Paris, os países desenvolvidos precisam fornecer pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2030 e US$ 390 bilhões por ano até 2035.
Marina Silva defendeu ainda que a nova meta global diga com clareza que os recursos oriundos dos países desenvolvidos serão concedidos através de doações.
O rascunho atual não acaba com uma das maiores queixas dos países em desenvolvimento: a de que o dinheiro para o clima vem, sobretudo, através de empréstimos, muitas vezes a juros de mercado, elevando a dívida de nações já vulneráveis.
A ministra indicou que os países em desenvolvimento farão contribuições, mas que essas serão voluntárias.
Pela convenção do clima da ONU e pelo Acordo de Paris, o financiamento climático é pago apenas pelos países desenvolvidos, maiores responsáveis históricos pelas emissões de gases-estufa, que conseguiram com isso, em larga medida, o crescimento de suas economias nos últimos dois séculos.
O grupo dos ricos se organizou, contudo, para pressionar pela mudança na divisão de contas em vigor. O objetivo é incluir como doadores obrigatórios principalmente os emergentes com economias mais desenvolvidas, como a China, maior emissor atual, além dos estados do Golfo, Coreia do Sul e até o Brasil.
Segundo a delegação brasileira e observadores, o texto proposto para o NCQG deixa margens para que isso seja alterado.
Nos bastidores, diplomatas de vários países criticam sobretudo o posicionamento da União Europeia, que estaria agindo ativamente para limitar os valores oferecidos aos países em desenvolvimento. A delegação da UE também foi apontada como a grande responsável pelo colapso das negociações na COP16 da biodiversidade, na Colômbia.
Com pouca experiência em negociações internacionais de alto nível, a diplomacia azeri, que tem a presidência da COP29, também é alvo das queixas de negociadores e ambientalistas.