O noticiário sobre São Paulo nos últimos dias teve como um dos principais assuntos a remoção das luminárias japonesas de um pequeno beco do bairro paulistano da Liberdade, a chamada rua dos Aflitos.
Por aí muito se escreveu sobre o tema usando a palavra “polêmica” junto ao assunto, algo que não farei aqui pois não vejo polêmica alguma, mas a reparação de um apagamento histórico que finalmente começou a acontecer.
As luminárias japonesas do bairro da Liberdade foram instaladas na década de 1970 pela prefeitura paulistana e tiveram sua conclusão no ano de 1974. Foi o ato final de um gesto que unia a comunidade oriental do bairro, na época quase na totalidade de japoneses, com a prefeitura no objetivo de formar ali, meio que artificialmente, o bairro oriental da capital paulista, na esteira de copiar modismos estrangeiros que o brasileiro adora. Em plena ditadura militar, não consta que a comunidade negra foi ouvida à época sobre o que pensava a respeito.
Os anos e as décadas foram se passando e gerações cresceram. Entendo que o bairro da Liberdade era dos japoneses desde sempre. Eu mesmo, quando criança, visitava o bairro com meus pais e nunca sequer imaginei que a história daquele bairro era mais antiga, profunda e dolorosa do que eu conhecia. O apagamento da identidade negra, se intencional ou não, obteve grande êxito.
Nos últimos anos os movimentos de consciência negra e uma melhor compreensão das origens do bairro pelos paulistanos vem trazendo de volta uma história que parecia relegada ao esquecimento: as reais origens da Liberdade.
Ainda que eu concorde e saliente a importância inegável da contribuição japonesa para o desenvolvimento e reconhecimento do bairro como uma das principais atrações turísticas e gastronômicas de São Paulo, é inegável que aqueles que ocuparam o bairro após 1912, data que a presença japonesa começou de fato por ali, pouco fizeram para preservar o legado dos primeiros habitantes da região.
Como pouco ou nada fizeram quando em 2018 o então governador de São Paulo, Márcio França (PSB), alterou através de decreto o nome da estação Liberdade do Metrô para Japão-Liberdade. Ideia alias que surgiu primeiro na Câmara Municipal paulistana em projeto de lei dos vereadores Ota e Milton Leite. Notem que o primeiro nome estação, o mais fácil de memorizar, ficou Japão e não Liberdade.
Nos últimos anos esforços de coletivos negros e de paulistanos abnegados estão trazendo à tona a tão sofrida memória negra há tanto esquecida e fragmentada. A escultura da sambista Madrinha Eunice, o início da restauração da Capela dos Aflitos e a remoção das luminárias do beco são apenas os primeiros atos.
Agora é preciso urgentemente desfazer a grande injustiça que foi renomear a estação do Metrô, proibir a entrada de veículos na rua dos Aflitos e levar recursos da prefeitura à baixada do Glicério, região do bairro da Liberdade que nunca teve luminárias orientais e sempre foi esquecida pelo poder público. Outro ato importante é instalar uma placa do inventário Memória Paulistana na antiga sede do clube Paulistano da Glória.
Infelizmente existem duas Liberdades: a oriental sempre lembrada e a negra, sempre esquecida. É hora disso acabar de uma vez por todas, e o primeiro passo, ainda que pequeno, foi dado.
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