A ancestralidade e os fatores ambientais no Brasil podem influenciar as alterações moleculares de tumores no pulmão. A descoberta nacional inédita mostrou que, na população brasileira, o tipo mais comum de câncer pulmonar (o carcinoma de células não pequenas ou adenocarcinoma) tem, por exemplo, menor agressividade em relação aos casos documentados nos Estados Unidos e Europa.
Isso confirma que o perfil molecular para a doença no país é diferente dos americanos e europeus, podendo ser tratado de forma mais específica. O adenocarcinoma representa 70% dos casos nacionais.
O levantamento foi conduzido por pesquisadores da Oncoclínicas&Co. e publicado nesta quinta-feira (21) no periódico científico JCO Global Oncology. A análise apresenta a prevalência no Brasil de certas mutações “drivers”, aquelas responsáveis pela progressão do tumor e que podem ser bloqueadas com terapias alvo-molecular.
Essas alterações, aqui, podem chegar a ser o dobro em relação ao padrão de outros países: as fusões no gene ALK— mutação que ocorre no câncer de pulmão não pequenas células— , por exemplo, ultrapassam 6% no Brasil, mas ficam próximas de 3% nos demais países.
De acordo com Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas & Co. e um dos autores do estudo, a descoberta permite a elaboração de terapias dirigidas, tomando como base a raridade dessas mutações que contribuem para a progressão do câncer.
A pesquisa começou a ser elaborada em 2018 e tomou como base dados de 2020 a 2022 referentes a cerca de 1.000 pacientes de todas as regiões, com prevalência de pacientes das regiões Sudeste, Sul e Nordeste.
O resultado inicial apontou maior prevalência de mutações no gene EGFR— importante biomarcador de câncer de pulmão— no Brasil (24%) em comparação aos 15% registrados nos EUA e Europa. Já as mutações KRAS G12C e BRAF V600E apresentaram menor prevalência, com 9% e 1%, respectivamente, em comparação aos 12% e 3% em outros países.
As informações foram obtidas a partir da aplicação de um modelo desenvolvido pela própria OC Medicina de Precisão, o teste genômico abrangente de sequenciamento de nova geração (NGS). Esse exame mapeou o perfil molecular —tanto com análise de DNA como de RNA tumoral— de 180 genes relacionados ao câncer.
Os resultados mudam a perspectiva e o conhecimento de adenocarcinomas no país, com implicações positivas para os sistemas público e privado, que podem reduzir despesas com terapias individualizadas e contribuir para políticas públicas de combate ao câncer de pulmão. “Você sabe exatamente o tamanho da população que vai utilizar aquele medicamento e o que você espera de resposta ou de benefício clínico. Fica mais fácil até para subsidiar, em âmbito do Sistema Único de Saúde [SUS] uma incorporação para determinadas mutações específicas”, diz Ferreira.
Rodrigo Dienstmann, também autor do trabalho, afirma que a proposta do estudo era ter uma estrutura que pudesse gerar informações genômicas sobre pacientes com câncer no Brasil para pautar o tratamento via medicina de precisão, gerando maior benefício clínico aos pacientes.
“Quando estou falando de medicina de precisão, estou escolhendo o medicamento alvo certo, para o paciente certo, pelo tempo certo”, afirma o diretor médico. Havia um gargalo para esses exames no país até então pela falta de dados de qualidade.
Segundo Dienstmann, o estudo atuou em duas frentes, uma de fluxo do exame e outra de estruturar um perfil nacional. Na primeira, foi avaliada a eficiência do diagnóstico molecular do câncer de pulmão, com investigação de falhas no processo para melhorando da coleta e da análise.
Na segunda, estabeleceu-se um perfil nacional para algumas mutações. “O tumor é diferente na nossa população e isso pode ser porque talvez a brasileira tenha menos exposição a tabagismo e outros fatores de risco, talvez até questões de ancestralidade, influência de uma genética mais nativo-americana, latino-americana que poderia favorecer um tipo específico de câncer de pulmão, por exemplo”, analisa Dienstmann.
Os resultados, contudo, demonstram a necessidade de ampliação do acesso à testagem molecular no país para que o diagnóstico e tratamento contra o câncer de pulmão aconteçam cada vez mais rápido.
O médico diz que 60% dos pacientes com câncer de pulmão poderiam ser candidatos a terapia-alvo se fizessem o teste de forma abrangente. A pesquisa evidenciou ainda que um de cada três pacientes com adenocarcinoma de pulmão não possui uma amostra tumoral com material genético de quantidade e/ou qualidade suficientes para a realização de um painel abrangente como este.
“Esse teste não avalia a genética do indivíduo com câncer de pulmão, não é um teste de câncer hereditário, esse é um teste do tumor, avalia a genômica do tumor, o biomarcador do tumor e isso te dá, pois, oportunidades de terapia alvo para o tumor. Eles dão pistas para o médico entender o panorama completo, isso aumenta as chances de controle da doença”, finaliza.