Eu me banhei em petróleo durante a conferência climática das Nações Unidas. Foi de petróleo crú, bombeado a uma profundidade de 800 metros para uma banheiro de um hotel no Azerbaijão.
O líquido penetrou em cada fresta e centímetro de pele do meu corpo submerso e sufocou os pelos das minhas pernas e braços, fazendo-me parecer um animal atolado em um derramamento de petróleo. Então, surgiu um funcionário para esfregar tudo aquilo.
Um dia antes, eu estava cobrindo a COP29, Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Baku, no Azerbaijão, um lugar que contribuiu para dar impulso à moderna indústria petrolífera há mais de um século, colocando em risco a nossa civilização.
Muito já foi dito sobre a incongruência daqueles que lutam para reduzir as emissões dos combustíveis fósseis reunirem-se em um petroestado. Mas os azeris são orgulhosos de seu petróleo, não importa o que os participantes da conferência venham a dizer. Por exemplo, supriu os soviéticos em seus combates contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial.
Outra razão de orgulho está nas colinas empoeiradas e ponteadas por arbustos de Naftalan, cidade a quatro horas de Baku. O petróleo da cor de chocolate extraído lá não é inflamável. Ao contrário, cura se você banhar-se nele, dizem os moradores locais e cientistas azeris.
Esse petróleo, como qualquer outro, é um recurso finito. Os depósitos de petróleo “medicinal” de Naftalan já estavam pela metade em 2022. Então, o fotógrafo Emile Ducke e eu viajamos para um encontro íntimo com a substância em extinção.
“Disseram que temos reservas para 60 anos”, disse Ayten Magerramova, médica-chefe do resort Garabag, em Naftalan. “Depois disso, não sei.”
Toalha marrom
Uma vez que se banha em petróleo, é difícil livrar-se dele. Por essa razão, as toalhas, robes e lençóis do hotel Garabag são marrons. A cabeceira da minha cama tinha manchas marrom claro. Nas banheiras marrons da área do spa, o resíduo acumulado depois de o petróleo ser escoado era quase preto.
“O resíduo é um pouco tóxico”, disse Magerramova. “Mas, para problemas de pele, ajuda muito.”
O uso medicinal do petróleo é milenar. Marco Polo, que viajou pelo território hoje do Azerbaijão, descreveu o petróleo como um “bálsamo para homens e camelos afetados por feridas e arranhões”. Os soviéticos diziam que a composição molecular incomum de alguns hidrocarbonetos de Naftalan os tornavam recomendáveis para o tratamento de artrite, infertilidade, eczema e outros problemas médicos.
Há pouca pesquisa no Ocidente sobre os riscos e a eficácia do petróleo. Mas um artigo publicado em 2020 em um jornal científico azeri constatou que o petróleo funcionava como antisséptico e tinha “um peculiar efeito hormonal sobre as funções dos hormônios sexuais”.
Em outro resort, o Nafta, o médico-chefe, Zaur Valimatov, afirmou que espera preservar os depósitos subterrâneos para as futuras gerações com o fim dos banhos de petróleo, que exigem volumes imensos. Ele é favorável ao uso de emplastos de petróleo, que conteriam quantidade muito menor. Os emplastos, além disso, poderiam reduzir os efeitos tóxicos dos componentes “indesejáveis” do petróleo crú.
“Mergulhar as pessoas no petróleo é um uso um tanto bárbaro.”
Naftalan observou aumento em seus visitantes desde 2020, quando o Azerbaijão recapturou o território vizinho de Nagorno-Karabakh, empurrando a linha de contato com as forças armênias e tornando a cidade mais segura. Uma mulher de Omsk, na Rússia, disse que mais russos começaram a ir para lá desde a invasão da Rússia à Ucrânia.
Melhor oligarca
Os resorts reusam o petróleo por alguns meses antes de receber novas remessas. Mas afirmam que o filtram a cada banho.
Quaisquer que sejam as preocupações higiênicas, muitos hóspedes —todos os que eu encontrei vieram de um país que, como o Azerbaijão, integrou a União Soviética— almejavam o banho. Damira Vaitsel, 30, uma executiva-assistente do Cazaquistão, contou ter tratado com êxito sua psoríase depois de duas semanas em Naftalan. Os banhos de petróleo, disse, a fizeram sentir-se como a “melhor oligarca da cidade”.
Finalmente, decidi que eu tinha de experimentar também.
À medida que o petróleo escorria pelo meu peito, fiquei nervoso, lembrando do que os médicos tinham dito sobre a toxicidade. Depois, um funcionário fechou a torneira e deixou-me ruminando sobre estar envolvido em uma sopa viscosa composta pelos restos de criaturas primitivas.
Estava quente e agradavelmente pesado, o que levou o nervosismo a dar lugar ao relaxamento. Cheirava a algo como tinta, borracha ou leite azedo, mas eu me acostumei. Eu me senti encasulado por uma substância crua que ajuda a definir as nossas vidas.
Ao levantar meus braços e pernas, vi os rastros. O petróleo envolveu cada pelo dos meus braços e cobriu cada cutícula, cada linha das minhas palmas.
Então, veio a esquisitice dessa substância. Embora parecesse chocolate derretido, não era pegajoso, mas escorregadio. Meu pé deslizou pela minha canela, e minhas mãos, pelos meus quadris.
Jogue fora
Quando chegou a hora de sair da banheira, exatamente 10 minutos depois, o funcionário me fez ficar em pé e segurar uma alça presa à parede. Aqui estava eu, pensei, um morango coberto de chocolate antes de endurecer. O funcionário raspou o petróleo do meu corpo, de cima a baixo, com uma calçadeira.
Ele esfregou-me com muitas toalhas de papel gigantes, que formaram uma pilha marrom aos meus pés. Continuando na limpeza, ele metodicamente usou copiosas porções de sabonete. Finalmente, me entregou toalhas e disse, em russo grosseiro, para eu mesmo limpar minhas partes íntimas.
De volta a Baku, tentei processar a experiência. Na conferência climática, tornou-se claro que os humanos estão fracassando em impedir que a alarmante situação do planeta atinja níveis ainda mais perigosos.
Então, decidi pesquisar sobre o lugar onde, em certo sentido, tudo começou: o primeiro poço de petróleo perfurado industrialmente, em 1846, estava localizado no estacionamento de uma piscina de Baku.
Perto dali, entre o Mar Cáspio e os prédios de apartamentos recém-construídos, dezenas de torres de petróleo verdes e vermelhas ainda sibilam, rangem, roncam e batem. Fiquei observando o movimento hipnótico de uma delas enquanto um trabalhador, Khalid, 54, estava ao meu lado em silêncio.
“Jogue fora, venda”, ele finalmente disse. “É como se Deus tivesse enviado isso para nós.”