Em 2020, homens em busca de presas de mamute no leste da Sibéria encontraram um feixe de pele saindo da margem congelada do rio Badyarikha. Eles sabiam que estavam diante de algo raro: a múmia de um filhote de dente-de-sabre da Era do Gelo.
Cientistas têm estudado animais mumificados que vagavam pelas estepes no Pleistoceno há 30 mil anos. Isso inclui titãs como mamutes e rinocerontes lanudos, bem como pequenos mamíferos como os filhotes de glutões e leões-das-cavernas. Porém, quando aquele grupo de homens levou sua pequena descoberta para a Academia de Ciências da Rússia em Moscou, pesquisadores ficaram encantados: era uma múmia de um dente-de-sabre.
A descoberta foi publicada no último dia 14 na revista Scientific Reports. É a primeira vez em 28 mil anos que os humanos puderam ver um dente-de-sabre, pelo menos desde a sua extinção no final da Era do Gelo.
“Muitos paleontólogos que trabalham com felídeos, incluindo eu mesmo, têm esperado por décadas para ver um felídeo de presas congelado do permafrost”, disse Manuel J. Salesa, especialista em felinos de presas de sabre no Museu Nacional de Ciências Naturais em Madrid, que não esteve envolvido no artigo. “Essa descoberta incrível é um dos momentos mais emocionantes da minha carreira.”
Também é a primeira descoberta de uma múmia do Pleistoceno de uma família de animais sem espécies sobreviventes, segundo o paleontólogo Alexey Lopatin, da Academia de Ciências da Rússia e autor do artigo.
Usando tomografias computadorizadas para examinar os ossos do filhote, Lopatin e seus colegas confirmaram que a múmia de 37 mil anos era um Homotherium latidens, animal também conhecido como dente-de-cimitarra e do tamanho de um leão com membros anteriores longos e ombros pesados. A espécie foi a última dos felinos de presas de sabre, que ocupavam um ramo na árvore da vida distinto dos felinos modernos.
Ossos de filhotes de Homotherium já haviam sido encontrados, incluindo uma descoberta importante em uma caverna perto de San Antonio, mas o espécime russo tem carne e pelos. Lopatin e seus colegas estimam que o filhote tinha só três semanas de idade.
Algumas características, como o poderoso pescoço do filhote, confirmam conclusões anteriores de paleontologistas sobre a anatomia do Homotherium. Outros traços foram uma completa surpresa. Ele tinha tufos pálidos de pelos saindo para trás e para baixo dos cantos da boca, sugerindo costeletas ou barbas em gatos adultos. Suas patas eram arredondadas como as de um lince, mas com almofadas quadradas, ao contrário das dos gatos modernos. Surpreendentemente, o filhote não tinha almofadas carpais nos pulsos, uma característica comum em gatos e cachorros —o que pode tê-lo ajudado a andar na neve, de acordo com Lopatin.
Sua pelagem era marrom escura e macia. “Talvez a coisa mais surpreendente”, afirmou o paleontólogo.
Grandes felinos modernos que têm pelagem de cor sólida quando adultos —como leões e pumas— geralmente têm manchas quando são filhotes, segundo a paleontóloga Ashley Reynolds, do Museu Canadense da Natureza, que não participou do estudo.
A ausência de manchas pode ser resultado de como a pelagem foi preservada. Mas Reynolds observou que filhotes de hiena pintada podem ter pelagem de cor escura, e elas são parentes dos felinos.
O filhote também adiciona munição a um debate sobre os dentes-de-sabre: se seus famosos caninos alongados se projetavam abertamente de suas mandíbulas ou se eram cobertos por um lábio superior alongado.
Embora o filhote fosse muito jovem para que seus caninos alongados tivessem se formado, segundo Lopatin, a altura do lábio superior é mais do que o dobro do que a de um filhote de leão moderno. Isso poderia apoiar a afirmação de que os sabres do Homotherium adulto estavam cobertos.
O relatório inicial é apenas o começo, disse Lopatin. A equipe também planeja estudar o DNA da múmia e realizar exames mais detalhados do esqueleto, músculos e cabelo. E ele está confiante de que em algum momento outras múmias de Homotherium podem aparecer.
“Vamos torcer para que nossos colegas russos tenham sorte em encontrar os adultos”, disse Salesa. “Isso seria absolutamente chocante.”