A dois dias do fim da COP29, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática no Azerbaijão, os quase 200 países participantes ainda estão longe de desatar o principal nó das negociações: o valor da nova meta global de financiamento climático, mais conhecida pela sigla NCQG (novo objetivo coletivo quantificado).
O impasse entre os países ricos e as nações em desenvolvimento concentra-se em pelo menos cinco propostas de meta financeira, ainda em circulação entre os negociadores.
O G77+China, bloco que reúne nações em desenvolvimento e do qual o Brasil faz parte, apresentou uma proposta de valor anual de US$ 1,3 trilhão anuais. Representantes do grupo vêm reiterando essa cifra em várias ocasiões. Com uma postura menos transparente em relação às cifras propostas, os países ricos trabalham para pagar bem menos do que isso.
Os negociadores da União Europeia discutem internamente valores entre US$ 200 bilhões e US$ 300 bilhões por ano, de acordo com reportagem do portal Politico. Esse montante praticamente não cobre um aumento real em relação à meta atual em vigor, de US$ 100 bilhões anuais, que expira no fim deste ano.
É piada?
Questionado pela imprensa sobre a proposta de US$ 200 bilhões anuais durante uma entrevista coletiva, o principal negociador da Bolívia, Diego Pacheco, respondeu com um sorriso irônico: “Isso é uma piada?”
Na mesma rodada de conversa com os jornalistas, Ali Mohamed, negociador do Quênia, respondeu com acidez. “Não sabemos de onde você está trazendo esses US$ 200 bilhões. Mas, piada ou não, o quantum que nós estamos propondo não chega nem perto do que você acabou de sugerir.”
Diversos levantamentos têm chamado a atenção para os custos crescentes das mudanças climáticas. Em linha com esse entendimento, a declaração de líderes do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, divulgada na última segunda (18), reforçou que o financiamento do clima deveria sair da casa dos bilhões para a dos trilhões de dólares anuais. Tratou-se de recado aos negociadores em Baku,
À imprensa, os negociadores de países em desenvolvimento enfatizaram que os recursos para o financiamento climático devem ser pagos apenas pelos países desenvolvidos. Essa previsão consta na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, de 1992, e também no Acordo de Paris, de 2015.
Ambos os documentos expressam o entendimento de que os países ricos conseguiram alavancar suas economias graças a um longo período de emissões de gases-estufa. Por essa razão, devem financiar as ações para a transição climática nas nações em desenvolvimento.
Resistência da China
As nações mais ricas, por outro lado, insistem na ampliação da base de doadores, com a inclusão de países em desenvolvimento. A ofensiva mira principalmente a China, atualmente a maior emissora de gases estufa do planeta.
Nesta quarta (20), a líder da delegação do Parlamento Europeu na COP29, a portuguesa Lídia Pereira, reforçou a defesa da ampliação da base de doadores. Nota divulgada antes da chegada da comitiva parlamentar a Baku, no entanto, já sinalizava a coesão dos europeus em torno da divisão da conta do financiamento.
“A situação mudou desde os anos 1990 [quando foi assinada a convenção do clima]. Enquanto a União Europeia reduziu mais da metade de sua participação nas emissões globais, para 6% em 2023, as emissões das grandes economias emergentes continuam a crescer, e um país como a China agora tem emissões históricas equivalentes às da UE”, sublinhou o texto.
“Se queremos uma meta ambiciosa de financiamento climático, então todas as grandes economias emergentes de alto PIB (Produto Interno Bruto) e alta emissão, como a China e a Arábia Saudita, devem contribuir financeiramente para a meta pós-2025, que esperamos concordar em Baku.”
Convocada pela presidência azeri da COP29 para ajudar a destravar as negociações, juntamente com os diplomatas do Reino Unido, a delegação brasileira na conferência envolveu-se em uma maratona de conversas com os blocos negociais na tentativa de alcançar um consenso quanto ao financiamento.
Reservadamente, negociadores brasileiros afirmaram que a possibilidade de ampliar a base de doadores obrigatórios para o NCQG já está praticamente enterrada. A pressão agora é pelas contribuições voluntárias.
Embora não sejam obrigados pagar a conta, os países em desenvolvimento podem contribuir de forma voluntária, se assim o desejarem, o que já está previsto no Acordo de Paris.
A China, que se recusa categoricamente a entrar no grupo de pagadores compulsórios, vem sinalizando com o aumento de repasses não compulsórios. Um levantamento apresentado por Pequim indica que o país já desembolsou mais de US$ 24,5 bilhões (R$ 137,8 bilhões) para esse fim desde 2016.
Exaustão
Com a COP29 próxima de seu término, crescem também os apelos por um acordo sobre financiamento climático. Nesta quarta (20), uma carta assinado por mais de 70 organizações, coalizões empresariais, empresas, organizações de povos indígenas, cientistas e membros da sociedade civil pediu que a conferência “reconheça e financie adequadamente” o papel da natureza na crise climática atual.
Enquanto muitos negociadores já expressam abertamente cansaço e frustração com o rumo da conferência, a delegação brasileira trabalha para que o acordo seja mesmo finalizado no Azerbaijão. O fracasso em Baku empurraria a questão do financiamento para a já sobrecarregada agenda da próxima convenção, a COP30, a ser realizada Belém em 2025.
Na manhã de quinta (21), o embaixador André Corrêa do Lago, chefe da delegação brasileira na COP29, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, retornam para as conversas. Ambos deixaram Baku às pressas na semana passada em um esforço para extrair do G20, reunido no Rio, um compromisso mais ambicioso sobre financiamento climático —o que não ocorreu.
A liberação de uma nova versão do texto do NCQG está marcada para a madrugada de quinta (21), quando será possível avaliar com maior precisão avanços ou recuos no documento.