Imagine um número composto por uma enorme sequência de “uns”: 1111111…111. Especificamente, 136.279.841 “uns”. Se empilhássemos o mesmo número de folhas de papel, a torre resultante chegaria à estratosfera.
Se escrevermos esse número em um computador na forma binária (usando apenas uns e zeros), ele ocuparia apenas cerca de 16 megabytes, não mais do que um videoclipe curto. Ao converter para a forma mais familiar de escrever números em decimal, esse número —que começa com 8.816.943.275… e termina com …076.706.219.486.871.551— teria mais de 41 milhões de dígitos. Ele preencheria sozinho 20 mil páginas em um livro.
Outra forma de escrever esse número é 2136.279.841 – 1. Mas há alguns outros aspectos especiais sobre ele.
Primeiro, é um número primo (o que significa que só é divisível por ele mesmo e por um). Em segundo lugar, é o que se chama de número primo de Mersenne (já veremos o que isso significa). E, em terceiro lugar, é até o momento o maior número primo já descoberto, em uma busca matemática com uma história que remonta a mais de 2.000 anos.
A descoberta
A descoberta de que esse número (conhecido como M136279841) é primo foi feita em 12 de outubro por Luke Durant, um pesquisador de 36 anos de San Jose, Califórnia.
Ele é uma das milhares de pessoas que trabalham como parte de um esforço voluntário de longa duração de busca de números primos chamado Great Internet Mersenne Prime Search, ou GIMPS.
Um número primo que é um a menos do que alguma potência de dois (ou o que os matemáticos escrevem como 2p – 1) é chamado de primo de Mersenne, em homenagem ao monge francês Marin Mersenne, que o investigou há mais de 350 anos. Os primeiros primos de Mersenne são 3, 7, 31 e 127.
Durant fez sua descoberta por meio de uma combinação de algoritmos matemáticos, engenharia prática e grande capacidade de computação. Enquanto outros números primos grandes foram encontrados anteriormente usando processadores tradicionais de computador (CPUs), essa descoberta é a primeira a usar um tipo diferente de processador, chamado GPU.
As GPUs foram originalmente projetadas para acelerar a renderização de gráficos e vídeos e, mais recentemente, foram reaproveitadas para minerar criptomoedas e alimentar a IA. Durant, um ex-funcionário de uma das principais fabricantes de GPUs do mundo, a NVIDIA, usou GPUs poderosas na nuvem para criar uma espécie de “supercomputador em nuvem” que abrange 17 países. A GPU “sortuda” que encontrou o agora mais número primo já encontrado foi um processador NVIDIA A100 localizado em Dublin, na Irlanda.
Números primos e perfeitos
Além da emoção da descoberta, esse avanço dá continuidade a uma história que remonta a milênios. Um dos motivos pelos quais os matemáticos são fascinados pelos primos de Mersenne é o fato de eles estarem ligados aos chamados números “perfeitos”.
Um número é “perfeito” se, quando você soma todos os números que o dividem corretamente, eles somam o próprio número. Por exemplo, seis é um número perfeito porque 6 = 2 × 3 = 1 + 2 + 3. Da mesma forma, 28 = 4 × 7 = 1 + 2 + 4 + 7 + 14.
Para cada primo de Mersenne há também um número perfeito par. (Em um dos mais antigos problemas não resolvidos da matemática, não se sabe se existem números perfeitos ímpares).
Os números perfeitos fascinaram os seres humanos ao longo da história. Por exemplo, os primeiros hebreus, assim como Santo Agostinho, consideravam seis um número realmente perfeito, pois Deus criou a Terra em exatamente seis dias (descansando no sétimo).
Números primos práticos
O estudo dos números primos não é apenas uma curiosidade histórica. A teoria dos números também é essencial para a criptografia moderna. Por exemplo, a segurança de muitos sites se baseia na dificuldade inerente de encontrar os fatores primos de números grandes.
Os números usados na chamada criptografia de chave pública (do tipo que protege a maior parte das atividades online, por exemplo) geralmente têm apenas algumas centenas de dígitos decimais, o que é minúsculo em comparação com o M136279841.
No entanto, os benefícios da pesquisa básica em teoria dos números —estudo da distribuição de números primos, desenvolvimento de algoritmos para testar se os números são primos e descoberta de fatores de números compostos— muitas vezes têm implicações posteriores para ajudar a manter a privacidade e a segurança em nossa comunicação digital.
Uma busca sem fim
Os números primos de Mersenne são realmente raros: o novo recorde é mais de 16 milhões de dígitos maior que o anterior, e é apenas o 52º já descoberto.
Sabemos que há um número infinito de números primos. Isso foi comprovado pelo matemático grego Euclides há mais de 2.000 anos: se houvesse apenas um número finito de primos, poderíamos multiplicá-los todos juntos e adicionar um. O resultado não seria divisível por nenhum dos números primos que já encontramos, portanto, sempre deve haver pelo menos mais um por aí.
Mas não sabemos se há um número infinito de números primos de Mersenne, embora já tenha sido conjecturado que sim. Infelizmente, eles são escassos demais para serem detectados por nossas técnicas.
Por enquanto, o novo —e gigantesco— número primo serve como um marco na curiosidade humana e um lembrete de que, mesmo em uma era dominada pela tecnologia, alguns dos segredos mais profundos e tentadores do universo matemático continuam fora de alcance. O desafio permanece, convidando matemáticos e entusiastas a encontrar os padrões ocultos na infinita tapeçaria dos números.
E assim a busca (matemática) pela perfeição continuará.
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original