Dei uma volta de dez mil passos, cerca de 6 km, pela Vila Zelina, subdistrito da Vila Prudente. Fui atrás de imagens de um bairro típico. Circulei por uma boa distância na avenida Zelina e cheguei a uma praça diante da igreja São José, erguida pelos lituanos e dedicada a nossa senhora de Guadalupe.
Visitei a igreja, que achei bem despojada. E entrei em quatro ruas transversais da praça atrás de um vestígio de algumas das nacionalidades que definiram a ocupação daquele lugar a partir da década de 1920. Há quase cem anos, lituanos, ucranianos, búlgaros, húngaros, russos, poloneses, checos, eslovenos e croatas, entre outros, começaram a chegar ali.
Não encontrei quase nada. Raros nomes de lojas sugestivos. Nenhuma arquitetura do passado. Nenhum elemento que tipificasse o Leste europeu.
Existem alguns bairros em São Paulo nos quais as comunidades são tão fortes que conseguem marcar sua cultura e sua etnia no espaço urbano e no dia a dia. É o caso da Liberdade e também do Bixiga. As construções e detalhes despertam a atenção imediatamente para outros povos, como o japonês e o italiano, causando um efeito de imersão em uma cultura. A Liberdade também é de africanos, chineses e coreanos. E o Bixiga, de africanos.
Talvez por serem tão diversos, os moradores da Vila Zelina não criaram um discurso único em torno do lugar, não fixaram um elemento de identificação, com exceção das igrejas. A população se afina pelo cristianismo e por ser descendente de gente que veio de territórios com proximidade geográfica.
Além da paróquia de são José, há no bairro a paróquia nossa senhora da Glória, da Igreja Católica Ucraniana, e igrejas ortodoxas russas, como a igreja Santíssima Trindade, a da nossa senhora da Proteção e a dos Starovéri.
Desde 2015, acontece mensalmente a Feira Cultural Leste Europeia, de produtos típicos de países da região, para colocar o bairro na rota do turismo.
É organizado pela Amoviza (Associação dos Moradores e Comerciantes do Bairro de Vila Zelina), que impulsiona a conversão do lugar num ponto turístico, cultural e gastronômico da cidade de São Paulo.
Confesso que na minha caminhada aleatória esperava encontrar alguma especialidade da culinária local em algum bar ou restaurante, como as que se veem na feira. Não fui ao Bar do Vito, que serve receitas lituanas, e, certamente, deixei escapar um monte de coisas. Acabei não vendo nenhuma rosquinha folhada búlgara, a bureka, nem as pequenas panqueca russas, os vareniques, e muito menos um kugelis lituano. Tampouco experimentei o krupnikas, licor de mel da Lituânia, e o kvass, bebida fermentada e preparada à base de pão e frutas.
Um olhar sobre a vila Zelina fez pensar em como a paisagem muda rápido em São Paulo. A cidade se transforma e o que fica é a memória imaterial. Por ali há certamente muitos descendentes de imigrantes do Leste europeu, mas eles não se destacam na multidão. São, porém, fontes de lembranças do passado.
Não há história arquitetônica: a vila dos primeiros imigrantes deu lugar a casas e prédios de classe média, como em inúmeros outros pontos da cidade. A memória cultural e a feira colocaram a Vila Zelina no mapa da cidade. Falta agora fortalecer suas múltiplas identidades.
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