Enquanto as atenções estão voltadas para as negociações sobre a nova meta global de financiamento climático, a agenda de trabalho sobre igualdade de gênero vem sofrendo uma série de reveses na COP29, a 29ª conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece até 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão.
Observadores relatam que uma espécie de coalizão informal de autocracias e de países conservadores vem atuando para travar o avanço dos trabalhos. Os pontos mais críticos têm sido a linguagem sobre direitos humanos e o financiamento para reduzir as disparidades de gênero nas questões climáticas.
As delegações de Arábia Saudita, Vaticano, Rússia, Iraque e Egito são apontadas por organizações ambientais e ativistas como as mais atuantes para bloquear a agenda de gênero na COP29. Procurados, os países não responderam aos pedidos de comentários feitos pela reportagem.
Nos bastidores, delegados já falam que há um risco real de colapso das negociações na COP29, deixando a questão pendente para a próxima conferência, a COP30, em Belém.
Em Baku para acompanhar as discussões, Letícia Leobet, assessora internacional da
Geledés – Instituto da Mulher Negra, afirma que houve retrocessos até em pontos que já haviam sido sinalizados anteriormente em reunião preparatória em Bonn, na Alemanha.
“Não é só o enfraquecimento da linguagem, nós vemos uma tentativa de enfraquecimento inclusive desse item [gênero] da agenda. É mesmo para tensionar, com questionamentos inclusive sobre a importância de se ter um item de agenda sobre gênero na conferência”, disse.
Embora não comentem publicamente as ações para minar a agenda das questões de gênero na COP29, diplomatas relatam um clima de apreensão e impaciência crescentes nas reuniões.
De acordo com relatos de negociadores citados pelo portal Politico, a delegação da União Europeia —que nos últimos anos têm se esforçado para avançar no tema—, teria abandonado brevemente as negociações no fim de semana como forma de protestar contra a situação imposta pela coalizão conservadora.
Na avaliação da assessora internacional da Geledés, a delegação brasileira vem se articulando para tentar ultrapassar as dificuldades. “O Brasil tem feito um esforço para fortalecer a interlocução com outros países, como o México, por exemplo, para fortalecer, enquanto grupo político, essa agenda de defesa da questão de gênero.”
Membros da delegação brasileira afirmaram nesta quarta-feira (20) estar preocupados com os rumos das conversas. Entre alguns negociadores, há também a hipótese de que a questão de gênero possa estar sendo intencionalmente “sequestrada” como moeda de troca para outros pontos em debate.
Em 2014, a COP20, em Lima, adotou um acordo inédito de gênero e clima que avançou a integração em várias áreas, incluindo o fomento de políticas públicas com essa sensibilidade.
Nesta convenção em Baku, as delegações discutem justamente o aprofundamento do programa de trabalho criado no encontro do Peru, para integrar ainda mais as questões de gênero nas questões climáticas e abrir caminho para a conclusão de um plano de ação ainda mais abrangente na COP30, no Brasil, em 2025.
Em nota, a ONU Mulheres reforçou que “a igualdade de gênero continua estagnada” na semana final das negociações na capital azeri.
“A divisão geopolítica entre países desenvolvidos e em desenvolvimento está colocando questões como a igualdade de gênero em segundo plano. A inclusão de uma linguagem concreta sobre os direitos e o empoderamento das mulheres ainda não foi garantida, pois as negociações estão travadas e o consenso sobre temas como financiamento climático e fortalecimento de capacidades não foi alcançado, resultando em cada vez menos tempo dedicado à igualdade de gênero”, diz o texto.
Diante das perspectivas de retrocessos na conferência, ativistas pelos direitos das mulheres realizaram um protesto chamando a atenção para os problemas nas negociações.
“Tememos que estejamos perdendo o programa de gênero que conquistamos com tanto esforço na COP e em outros espaços”, afirmou, durante a manifestação, Paola Salwan Daher, da organização não governamental Woman Deliver.
Ambientalistas têm cobrado também um posicionamento mais firme da presidência da COP29, a cargo da diplomacia do Azerbaijão, para impedir a agenda de gênero seja travada.
Ainda que esta seja a COP mais equilibrada em termos de gênero —com as mulheres compondo cerca de 40% das inscrições confirmadas das delegações, de acordo com dados preliminares—, elas ainda são minoria nas representações de nível mais alto. Na abertura da conferência, entre os 78 líderes globais, apenas 8 mulheres discursaram.
Ainda que as mudanças climáticas afetem a todos, diversos estudos mostram que mulheres e meninas sofrem desproporcionalmente suas consequências. Além de mais vulneráveis aos prejuízos econômicos, elas também são mais sujeitas à violência, incluindo sexual, em contextos de privação de recursos naturais acentuados pelo aumento global de temperaturas.
Um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) publicado em março revelou que, nos países de baixa e média renda, os lares chefiados por mulheres perdem em média mais renda em comparação com aqueles liderados por homens.
O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.