Por ser uma mulher negra, questões raciais sempre cercaram a vida de Priscila de Carvalho Silva, 34. Mas foi durante seu doutorado em educação, quando ela começou a pesquisar o tema no universo acadêmico, que a assistente social do Ifam (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas) se interessou pelo tópico de racismo científico.
É difícil definir quando o racismo científico surgiu, porém Silva afirma que sua disseminação se deu principalmente entre os séculos 18 e 19 na Europa.
“Atributos físicos, biológicos, psicológicos, morais, intelectuais e culturais foram reforçados nessa pseudociência”, completa Silva, que publicou um artigo sobre o tema em 2022.
Huri Paz, coordenador institucional do Afro-Cebrap, braço do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) voltado a estudos na temática racial, diz que esse período foi marcado pela consolidação da ciência e, igualmente, pela adoção de uma perspectiva supostamente científica para “justificar, promover ou legitimar o racismo“.
No entanto, o pensamento não ficou restrito à Europa. No Brasil, por exemplo, o racismo científico foi explorado principalmente por eugenistas, que defendiam a melhora do país por meio do clareamento da população. Essa noção ocasionou diferentes políticas.
Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor de um livro sobre um tema, Juanma Sánchez Arteaga afirma que, durante o século 19, ideias da biologia foram adaptadas para justificar ações contra povos indígenas no Brasil. O mesmo ocorreu com outros segmentos, como negros e aqueles com ascendência africana, que eram definidos como “criminosos inatos”.
“A medicina foi invocada para promover a aplicação de códigos legais diferentes para cada raça, adaptados às supostas diferenças inatas nas capacidades mentais dos diferentes grupos étnicos“, diz Arteaga, que também é pesquisador no Instituto de História do CSIC (Conselho Superior de Investigação Científica), em Madri.
A esterilização de pessoas negras e seus descendentes no século 19 foi outra ação baseada em ideias falaciosas propagadas como científicas. Silva afirma que, no Rio de Janeiro, médicos eugenistas defendiam essa medida com a justificativa de que isso resultaria num melhoramento da sociedade brasileira. Ações para facilitar a entrada e permanência de imigrantes europeus seguiam a mesma linha de pensamento.
Durante o século 20, ideias parecidas continuaram presentes no meio científico.
Importantes cientistas, como os ganhadores do Nobel Albert Einstein e James Watson, reproduziram tais noções. Por exemplo, durante uma viagem à América Latina, Einstein escreveu ideias consolidadas anteriormente e associadas ao racismo científico, como a noção de que o clima tropical teria afetado capacidades intelectuais de habitantes dessa região do globo.
Arteaga ressalta, porém, que em alguns casos, como é o exemplo de Einstein, é possível separar tais opiniões racistas da atuação científica. “Os cientistas não são cientistas ‘totais’, experts em tudo. Eles ignoram muitas coisas fora do seu foco da pesquisa e são capazes, como qualquer ser humano, de defender ideias erradas e preconceituosas.”
Até os dias de hoje, o racismo científico continua sendo um tópico sensível para o meio acadêmico, um ponto também visto no Brasil. Silva afirma que, para superar tal lógica de pensamento, é importante entender o histórico entre percepções racistas e ciência para, então, romper com essa noção de mundo. Ela defende que pesquisar teorias não ocidentais é uma forma para alcançar essa finalidade.
No entanto, mesmo o pensamento ocidental pode ser útil para isso. Atualmente, pesquisas mostram que não existem diferenças biológicas e nem hierarquias naturais entre diferentes grupos humanos. Ou seja, como diz Arteaga, é nítido que o racismo científico “apesar da sua aparência de cientificidade em alguns casos, são crenças baseadas nos mesmos velhos preconceitos pré-científicos que caracterizam toda a história do racismo no Ocidente“.