A inauguração de uma estátua de Zumbi dos Palmares nesta quarta-feira (20) em Porto Alegre marca a primeira vez que o Rio Grande do Sul celebra feriado no Dia da Consciência Negra, data que nasceu na capital gaúcha.
Criada em 1971 pelo escritor e ativista Oliveira Silveira (1941-2008) em lembrança à morte do líder quilombola, a data e sua origem são valorizadas pelos movimentos negros do estado como um marco contra o apagamento da contribuição afro-gaúcha à identidade nacional.
Em Porto Alegre, a resistência ganha um marco simbólico no Quilombo Silva, o primeiro território quilombola urbano oficialmente reconhecido no Brasil. Hoje, são quatro quilombos urbanos reconhecidos na cidade.
Distante cerca de 2.800 km do antigo quilombo dos Palmares, o Areal da Baronesa é um desses espaços. Com mais de 200 moradores, o local, considerado o berço do samba em Porto Alegre —ali Lupicínio Rodrigues começou sua carreira—, agora se reconstrói após a enchente histórica do lago Guaíba quase encobrir a comunidade.
Entretanto, de acordo com Paulo Cezar Silveira, morador do local e um dos coordenadores do projeto cultural Areal do Futuro, há uma falta de espaço para movimentos negros populares na cidade. “Vão fazer a estátua do Zumbi, e o Areal simplesmente é esquecido. Eles levam outros grupos, outras coisas, e a gente continua na mesma”, lamenta.
Silveira é um dos diretores do projeto que organiza atividades sociais e também mantém um tradicional bloco de Carnaval.
“Sei que agora tem várias comemorações da prefeitura, e eles simplesmente ignoram o nosso espaço, ignoram nossa história”, diz. “Ser negro em Porto Alegre é uma coisa muito difícil. O nosso direito de sair na nossa cidade, como bloco, a gente não tem. É muito complicado, a gente começa a lutar desde cedo e não consegue”.
Ele destaca, por outro lado, a ação dos moradores para a reconstrução de suas casas. “Ainda tem famílias que precisam ainda de ajuda com material de construção para fazer suas casinhas, mas foi bem legal a união do pessoal.”
Além da inauguração da estátua, as celebrações em Porto Alegre incluem uma cavalgada em homenagem aos lanceiros negros da Guerra dos Farrapos, eventos de afro-empreendedorismo e apresentações culturais.
O feriado também pautará a programação do Museu da Cultura Hip-Hop, que foi inaugurado em dezembro do ano passado. A atração principal será o cantor Tony Tornado, que, aos 94 anos, é considerado um dos maiores artistas do Brasil.
“Os negros no Rio Grande do Sul são apenas 17%, mas são 17% que, a partir de uma cultura como o Hip-Hop, se orientam e se reconhecem como parte de uma luta ancestral”, diz o coordenador do museu, o rapper Rafa Rafuagi, citando estimativa semelhante à do Censo 2010 do IBGE —no levantamento mais recente, de 2022, a população que se declara preta ou parda soma 21% no estado.
Apesar desses avanços, os desafios para reconhecimento dessa população permanecem no estado. Em maio, o presidente Lula foi alvo de críticas de movimentos negros no RS após declarar que não sabia que o estado tinha “tanta gente negra”.
O coordenador do museu acredita que a comemoração permitirá que o espaço se transforme em um local de acolhimento de debates e avanços sociais.
“Nos próximos anos, as pessoas terão essa memória de que é no Museu da Cultura Hip Hop RS que nós vamos refletir, nos aquilombar e pensar políticas públicas para o Brasil, a partir do estado mais racista do Brasil, que é o Rio Grande do Sul.”