A Instituição Fiscal Independente (IFI) prevê que a dívida pública chegará a 84,1% do PIB em 2026. Isso significa que a relação entre a dívida e a geração de riqueza do país pode ter um aumento de 12,4 pontos percentuais ao longo do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – em dezembro de 2022, esse percentual era de 71,7%.
Em agosto deste ano, a dívida pública era de 78,3% do PIB, e a previsão da IFI – órgão que é formalmente vinculado ao Senado – é de que feche o ano em 80%. Até junho, a projeção da IFI era de que a dívida chegasse a 78% do PIB, mas a instituição revisou para cima esse número.
“Contribuiu para essa revisão: (i) a trajetória recente da dívida; (ii) o cenário de alta dos juros; e (iii) a expectativa de ligeira piora no déficit primário do setor público consolidado para 2024, agora de 0,8% do PIB, ante déficit de 0,7% do PIB esperado em junho”, diz relatório publicado em outubro.
À Gazeta do Povo, o diretor-executivo da IFI, Marcus Pestana, afirmou que a escalada da dívida pública é o principal sintoma de deterioração e de insustentabilidade do regime fiscal do país.
“A relação entre a dívida pública e o PIB é tida como o principal termômetro da saúde fiscal de um país. Essa escalada de uma dívida – que chegou a ser de 51% do PIB em dezembro de 2013 e vai acabar esse ano em 80%, com um viés de alta de 82,2% e de 84,4% em 2025 e 2026; e, se nenhuma reforma estrutural for feita, chegará a 90% em 2029, e 100% do PIB em 2034 – é o principal sintoma de insustentabilidade do nosso quadro fiscal”, disse.
Veja a seguir um gráfico com as projeções da IFI para dívida pública nos próximos anos:
O Fundo Monetário Internacional (FMI) também vê aumento da dívida pública. Para este ano, a projeção é de que ela chegue a 87,6% – a discrepância em relação ao cálculo da IFI se deve à metodologia usada pelo Fundo. O FMI também acredita que o país só conseguirá equilibrar as contas em 2027.
De acordo com relatório do Fundo publicado em outubro, “a perspectiva fiscal de muitos países pode ser pior do que o esperado por três motivos: grandes pressões de gastos, viés otimista nas projeções de dívida e dívida considerável não identificada”.
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Juros altos e déficits primários alavancam crescimento da dívida pública
Um dos pontos destacados no relatório da Instituição Fiscal Independente é que parte da dívida, de fato, tem sido alavancada pela despesa com juros para a rolagem da dívida pública.
Em 2024, por exemplo, a dívida pública subiu o equivalente a 3,8 pontos porcentuais do PIB. Segundo o Banco Central, esse aumento se deve principalmente à incorporação de juros nominais (+5,6 p.p.), e também à emissão líquida de dívida (+1,2 p.p.), desvalorização cambial (+0,5 p.p.) e reconhecimento de dívida (+0,2 p.p.). O que evitou uma alta maior do indicador foi o crescimento do PIB nominal, com impacto de -3,6 p.p. sobre a variação da dívida.
A emissão líquida de dívida tem a ver com a necessidade de cobrir o rombo nas contas primárias. “Por que um governo precisa emitir títulos novos? Porque não está produzindo superávit primário, porque se ele tivesse uma poupança primária operacional, pagaria os juros com a poupança formada com a diferença entre receita e despesa primária. Como o governo está produzindo déficits primários, não tem dinheiro para pagar os juros. E tem que pagar juros com mais dívida, aí emite mais título”, explicou.
Esse processo, diz o diretor da IFI, é um ciclo vicioso: quanto maior a dívida, maior é o prêmio que os emprestadores exigem. Assim, o saldo negativo do resultado primário – que são as receitas menos as despesas, sem contabilizar o pagamento dos juros – leva a um aumento de juros que acaba gerando o crescimento do déficit nominal, que inclui o pagamento de juros.
Os resultados negativos do governo dificultam a queda dos juros, como já destacou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Em todos os momentos na história recente brasileira, você ser capaz de cair os juros e conviver com os juros mais baixos está associado a um choque positivo no fiscal. Não existe harmonia monetária sem ter harmonia fiscal. Isso é importante”, afirmou durante evento em setembro.
Brasil tem dívida pública maior que demais países emergentes e América Latina
Pestana, da IFI, assinala o ano de 2014 como um divisor de águas para o aumento mais expressivo da dívida. Naquele ano, começaram as chamadas “pedaladas fiscais”, a contabilidade criativa do governo da então presidente Dilma Rousseff (PT).
“A contabilidade criativa foi deteriorando o cenário fiscal. A dívida voltou a fazer uma rampa inclinada até a pandemia, mas ela já estava com essa tendência de crescimento antes. Já tinha saído de 51,5% do PIB para 74,4% no fim de 2019. E isso no período em que já tinha acabado boom das commodities e em que o Brasil já tinha feito muita bobagem no plano fiscal, em 2014, 2015 e 2016”, comentou.
A respeito do patamar atual da dívida brasileira, que alguns dizem ainda estar abaixo da média da OCDE, Pestana avalia que não há comparação. Segundo o diretor-executivo, no Japão, por exemplo, a dívida é de 210% do PIB, mas os títulos têm vencimento em 40 ou 50 anos e os juros são negativos.
Maior economia do mundo, os Estados Unidos também têm dívida maior que a brasileira, de mais de 120% do PIB. Porém, eles emitem a principal moeda do mundo e pagam juros bem mais baixos que os nossos.
De acordo com o relatório da IFI, “a dívida bruta de 84,7% do PIB, segundo os critérios do FMI, coloca o Brasil em linha com o endividamento da Zona do Euro, por exemplo, que marcou 88,7% do PIB ao final de 2023. Esse valor indica que o país está em situação vulnerável a choques, conforme estudos do FMI vistos anteriormente, que demonstram que os países que efetuam renegociação de dívida apresentavam uma média de dívida bruta entre 70% e 88% do PIB, na época das reestruturações”.
O documento ainda chama a atenção para a falta de um planejamento sólido para a redução da dívida pública brasileira, ao contrário do que ocorre em economias da zona do Euro, que preveem sua redução de longo prazo para esse percentual. E destaca que, conforme as regras atuais, a dívida pode ser deslocada para frente e para cima, a cada nova projeção.
“Mesmo economias avançadas, que historicamente contam com condições macroeconômicas mais favoráveis que o Brasil, estão com nível de dívida bruta inferior ou em linha com o observado no país (com exceção dos países do G7), além de possuírem planos de redução gradual do estoque da dívida, enquanto o arcabouço nacional pretende apenas estabilizar o nível da dívida, resultado ainda não alcançado”, aponta o relatório.