Enquanto as negociações climáticas das Nações Unidas entram na última semana no Azerbaijão e os líderes do G20 se reúnem no Brasil, diplomatas da Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, estão trabalhando para frustrar qualquer acordo que renove a promessa de fazer a transição dos combustíveis fósseis, disseram negociadores.
“Talvez eles tenham se sentido encorajados pela vitória de [Donald] Trump, mas estão agindo com negligência aqui”, disse Alden Meyer, associado sênior da E3G, uma organização de pesquisa climática com sede em Londres, que está nas negociações na COP29, em Baku. “Eles estão sendo uma verdadeira bola de demolição.”
Os negociadores dizem que isso faz parte de uma campanha da Arábia Saudita que vem ocorrendo ao longo do último ano para obstruir um acordo feito por quase 200 nações no ano passado, na COP28, em Dubai, para começar o processo de se afastar de petróleo, gás e carvão, cuja queima está aquecendo perigosamente o planeta.
A Arábia Saudita foi um dos signatários do documento, mas tem trabalhado desde então para enterrar a promessa e garantir que ela não seja repetida em novos acordos globais, segundo cinco diplomatas que pediram anonimato.
Com graus variados de sucesso, os sauditas se opuseram ao uso da linguagem de transição em pelo menos cinco resoluções da ONU este ano, disseram os diplomatas: em uma conferência nuclear, na cúpula de pequenas nações insulares, durante discussões sobre um plano para enfrentar desafios globais, na cúpula de biodiversidade e em uma reunião de ministros das finanças do G20 em Washington.
Procurados pela reportagem, os funcionários do governo saudita não responderam.
A eleição de Donald Trump lançou uma sombra sobre a COP29. Trump prometeu retirar os Estados Unidos da luta global contra a mudança climática e aumentar a produção nacional de combustíveis fósseis, que já está em níveis recordes. Isso pode estar encorajando os funcionários sauditas nas negociações atuais, dizem analistas.
No sábado (16), Yasir O. Al-Rumayyan, presidente do conselho da Saudi Aramco, a empresa estatal saudita de petróleo, sentou-se ao lado de Trump em uma luta de UFC no Madison Square Garden, em Nova York.
As regras da ONU exigem que qualquer acordo no âmbito do Acordo de Paris seja endossado pelos 198 países signatários. Isso significa que a Arábia Saudita, ou qualquer outra nação, pode afundar um acordo.
Os sauditas não são os únicos que resistem à promessa de uma transição global dos combustíveis fósseis ou que atrasam o progresso em Baku. As nações devem estabelecer novas metas financeiras para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar o aquecimento global, e há profundas divisões entre nações ricas e pobres sobre como avançar.
Mas diplomatas que participam das discussões a portas fechadas em Baku disseram que a atual oposição saudita era diferente de tudo que já haviam visto.
Com objeções processuais, travaram quase todos os grandes temas sendo debatidos, seja sobre mercados de carbono, descarbonização ou pesquisa científica. Diplomatas sauditas bloquearam o avanço textos de negociação, alguns dos quais estavam há anos em desenvolvimento, e, em pelo menos um caso, recusaram-se categoricamente a participar de reuniões.
A Arábia Saudita lutou contra esforços para um consenso em torno da eliminação dos combustíveis fósseis usando táticas como fazer longos discursos que consumiram quase todo o tempo alocado para reuniões e inserir palavras em rascunhos de acordos que foram consideradas armadilhas por outros países.
Finalmente, sob enorme pressão de pequenas nações insulares e do governo anfitrião, os Emirados Árabes Unidos, os sauditas cederam à linguagem que convocava as nações a contribuírem para “a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa.”
Porém, quase imediatamente depois disso, a Arábia Saudita pareceu trabalhar contra a promessa.
Dias após a cúpula, o ministro da energia do reino, príncipe Abdulaziz bin Salman, declarou que as nações haviam apenas concordado com um “menu à la carte”.
Em uma conferência de minerais em Riad, Salman disse que a seção que pedia uma transição também solicitava que as nações fizessem várias outras coisas, como triplicar a energia renovável, dobrar as medidas de eficiência energética e acelerar a energia nuclear. “O que conseguimos são opções que as pessoas podem escolher”, disse o príncipe.
Seu discurso deu início a um esforço saudita para garantir que a linguagem de transição não fosse para frente em nenhum outro fórum.
Sequência de bloqueios
Quando a Agência Internacional de Energia Atômica realizou uma cúpula nuclear inédita em Bruxelas em março, delegados sauditas tentaram bloquear qualquer linguagem sobre transição energética, de acordo com duas pessoas com conhecimento das discussões.
No mesmo mês, Amin Nasser, chefe da Saudi Aramco, que é a maior produtora de petróleo do mundo, disse num encontro da indústria do petróleo em Houston, nos Estados Unidos: “Devemos abandonar a fantasia de eliminar o petróleo e o gás.”
A delegação saudita continuou seus esforços em maio, durante a quarta Conferência Internacional sobre Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, disseram diplomatas. Eles foram amplamente bem-sucedidos: a cúpula terminou com uma declaração que fazia referência à necessidade de desenvolver energia renovável, mas nada sobre uma transição dos combustíveis fósseis.
Na Cúpula do Futuro 2024, um evento de alto nível da ONU que ocorreu em setembro, em Nova York, com o objetivo de criar um consenso global sobre como abordar questões como mudanças climáticas e segurança internacional, a delegação saudita foi menos eficaz. Apesar das objeções, o pacto final convocou um movimento de redução no uso dos combustíveis fósseis.
No entanto, negociadores presentes disseram que a disputa foi tão feroz que, um mês depois, na COP16, a Convenção sobre Diversidade Biológica, na Colômbia, quando dois paísestentaram inserir um trecho ligando as emissões de combustíveis fósseis à perda de biodiversidade, poucos tiveram apetite para outro embate.
Segundo Alex Rafalowicz, diretor executivo do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, um grupo sem fins lucrativos que trabalha para persuadir os países a eliminar petróleo, gás e carvão, a transição energética acabou nunca entrando no texto em negociação na COP16. Ele disse que a oposição saudita ocorreu fora da vista do público.
Finalmente, nas reuniões do G20 realizadas em Washington em setembro, a equipe saudita inicialmente se recusou a apoiar uma força-tarefa sobre clima e finanças se incluísse a linguagem sobre a transição dos combustíveis fósseis.
Avinash Persaud, conselheiro climático do Banco Interamericano de Desenvolvimento, disse que os delegados sauditas argumentaram na ocasião que certas discussões sobre a transição dos combustíveis fósseis tinham que ocorrer em outros contextos específicos, não nos que os diplomatas estavam negociando na época.
O acordo final destas reuniões do G20 “recordou” a transição dos combustíveis fósseis, mas não chegou a endossá-la.